Croácia "vai deixar passar migrantes" para o Norte da Europa

Governo croata diz que já não tem capacidade para registar os 14.000 refugiados e migrantes que chegaram ao país em três dias. Hungria está a construir uma nova cerca de arame farpado, desta vez na fronteira com a Croácia.

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Polícias croatas acompanham milhares de pessoas que não conseguem entrar na Hungria Antonio Bronic/Reuters
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Na terça-feira, no dia em que as autoridades húngaras vedaram por completo a fronteira com a Sérvia e começaram a aplicar leis anti-imigração mais duras, o primeiro-ministro croata foi ao Parlamento dizer que o país iria receber refugiados e migrantes "independentemente da sua religião e da cor da pele".

Zoran Milanovic falava numa altura em que tinham chegado ao seu país apenas algumas dezenas de pessoas, mas nos dias seguintes entraram no território pelo menos 14.000, o que o levou a ordenar o encerramento de sete dos oito postos fronteiriços com a Sérvia e quase todas as estradas que ligam os dois países.

Esta sexta-feira, o primeiro-ministro croata disse que os milhares de refugiados e migrantes que estão a chegar ao país vão poder atravessar o território sem nenhum controlo, para que a Croácia não se transforme num "ponto de acesso para migrantes".

Com este anúncio, o chefe do governo croata põe mais pressão sobre os países da União Europeia que não aceitam participar no sistema obrigatório de quotas proposto pela Comissão Europeia e apoiado pela Alemanha – países como a Hungria, a Eslováquia ou a República Checa não concordam com a proposta, e o governo de Budapeste, liderado por Viktor Orbán, tem assumido a posição mais dura.

"A Croácia provou que tem coração, como país e como povo. Mas temos de lembrar os nossos vizinhos e a União Europeia de que também temos cabeça, e que sabemos o que é bom para os nossos interesses e para a nossa segurança", disse o primeiro-ministro croata.

"Já não conseguimos registar pessoas. O que podemos fazer a não ser deixá-las ir para onde elas quiserem? Vamos dar-lhes comida, água e assistência médica, e depois podem prosseguir", disse ainda Zoran Milanovic.

O problema é que esta decisão do governo croata leva a uma pergunta: prossseguir para onde? Chegados à capital, Zagreb, só podem dirigir-se à Alemanha (o objectivo de muitos) passando pela Hungria ou pela Eslovénia, que já indicou que não está disposta a ser o próximo ponto de paragem para estas pessoas, a maioria em fuga de guerras e perseguições em países como a Síria, o Iraque ou o Afeganistão.

Segundo a rádio pública eslovena, citada pela BBC, um comboio com refugiados e migrantes foi travado pela polícia da Eslovénia na região de Dobova. A agência de notícias eslovena informa que as autoridades tentaram entregar os passageiros à Croácia, mas estes não foram aceites – a partir desse momento, a Eslovénia suspendeu a circulação de comboios com a Croácia.

Ao final do dia, a BBC dizia que apesar da fortaleza montada na fronteira da Hungria, mais de 20 autocarros repletos de refugiados partiram da Croácia para a localidade de Beremend, do outro lado. "A Hungria é três vezes mais perto do que a Eslovénia", justificou Zoran Milanovic.

Arame farpado na fronteira com a Croácia
À medida que milhares de pessoas começaram a dirigir-se para o território croata, o governo da Hungria começou a construir uma nova vedação, desta vez na fronteira com a Croácia, depois de ter selado a fronteira com a Sérvia. Mais de mil soldados húngaros estão a construir uma nova cerca de arame farpado, e o primeiro-ministro, Viktor Orbán, anunciou que vai enviar mais 700 soldados para a região este fim-de-semana.

"Temos de implementar as mesmas medidas que foram implementadas na fronteira com a Sérvia", disse Orbán esta sexta-feira, em declarações à rádio pública húngara.

A nova vedação de arame farpado vai estender-se por 41 quilómetros, nas proximidades da pequena localidade de Illocska, numa zona da Hungria a que é possível chegar a partir da Croácia evitando o obstáculo natural que é o rio Drava.

A vedação já estava a ser instalada por 600 soldados, que receberam o apoio de mais 500 esta sexta-feira. Outros 700 vão chegar à região até domingo, anunciou Viktor Orbán.

A cerca começou a ser construída depois de terem circulado relatos sobre a tentativa de entrada na Hungria de alguns refugiados e migrantes que estão na Croácia. Impedidas de entrarem na Hungria devido ao muro construído pelo governo de Orbán, milhares de pessoas viram na fronteira croata um novo caminho para conseguirem chegar a países como a Alemanha, que lhes prometeu asilo.

Apesar das medidas do governo croata, a agência Reuters avança que várias pessoas continuam a tentar entrar na Croácia esta sexta-feira – partem em autocarros de Sid, na Sérvia, e juntam-se a muitos outros que caminham pelos campos até à fronteira com a Croácia, e que estão a ser acompanhados pela polícia.

A única fronteira que permanece aberta é a de Bajakovo, na principal estrada entre a capital da Sérvia, Belgrado, e a capital da Croácia, Zagreb.

As autoridades da Croácia continuam a criticar a forma como o governo da Hungria tem lidado com as milhares de pessoas que tentam chegar à União Europeia. Na quarta-feira, a polícia húngara investiu contra refugiados e migrantes com canhões de água e gás lacrimogéneo, mas a polícia croata não respondeu com violência quando centenas de pessoas furaram um cordão formado pela polícia antimotim, na quinta-feira.

Alemanha ameaça cortar fundos
Os chefes de Estado e de governo da União Europeia vão voltar a discutir a situação na próxima quarta-feira, para tentarem chegar a acordo sobre a partilha de responsabilidades.

Esta sexta-feira, o vice-chanceler alemão, Sigmar Gabriel, defendeu que os países que se recusem a aceitar refugiados devem deixar de receber dinheiro da União Europeia. Sem se referir directamente à Hungria, o governante disse que enquanto a Alemanha está a abrir ginásios para refugiados, outros países estão a "instalar arame farpado nas suas fronteiras e a fechar as portas".

"A Europa é uma comunidade de valores baseados na empatia e na solidariedade humanas. E quem não partilhar os nossos valores não pode continuar a contar com o nosso dinheiro. Se isto continuar, a Europa enfrentará um perigo maior do que a crise financeira ou a crise grega", afirmou o vice-chanceler alemão.

Segundo os números do gabinete de estatística da União Europeia (Eurostat), os países-membros receberam 231.200 pedidos de asilo entre Abril e Junho deste ano, o que representa um aumento de 85% em relação ao mesmo período do ano passado.

A Alemanha está no topo dos países mais procurados por refugiados nesses três meses, com 80.900 pedidos, ou 30% do total da União Europeia – a seguir estão a Hungria (15%) e Áustria (8%).

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