A divisão europeia sobre os refugiados vê-se nos dezenas de milhares que saíram à rua
Multidões em Londres e Copenhaga exigiram aos seus governos que façam mais. Aos apelos do Ocidente, responderam concentrações nacionalistas e anti-imigração nos países do Centro da Europa.
Os protestos enquadram as divisões europeias à entrada para uma semana de decisões importantes em Bruxelas. E, nos casos de Londres e Copenhaga, são dedos apontados a governos conservadores que resistem em abrir portas. O Reino Unido anunciou na semana passada que vai dar asilo a 20 mil refugiados sírios ao cabo de cinco anos, mas só os que estão agora em campos de países vizinhos à Síria. Na sexta-feira, o Governo dinamarquês disse que não faria parte do novo sistema de quotas proposto pela Comissão Europeia. Copenhaga espera receber 20 mil refugiados este ano, embora o novo Governo conservador tenha recentemente cortado nos benefícios sociais a requerentes de asilo.
A multidão de Londres recebeu em ovação o recém-coroado líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn. Corbyn e o seu partido defendem que o Reino Unido pode receber mais refugiados do que os que diz estar pronto para aceitar. “São seres humanos, tal como vocês, tal como eu. Vamos lidar com esta crise de refugiados com humanidade, com apoio, com a compaixão de tentar ajudar pessoas que estão a tentar chegar a segurança”, afirmou, na Praça do Parlamento, em Westminster.
“Estou aqui para apoiar os refugiados que foram arrastados de suas casas pelo que está a acontecer na Síria, pelas bombas e a matança”, dizia em Copenhaga um homem identificado como Harra, nascido em Marrocos. Ao lado, a vizinha Suécia espera receber 80 mil pedidos de asilo este ano.
Assistiu-se ao mesmo tom em várias cidades francesas, em Haia marcharam centenas em silêncio e, em Viena, ponto-chave do fluxo de refugiados na Europa, cerca de 6000 pessoas repetiram as palavras de ordem que chegaram às redes sociais: “Refugiados bem vindos”.
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@RossalynWarren from London march shows tens of thousands taking to streets in support of refugees
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— BuzzFeed News (@BuzzFeedNews) September 12, 2015
Em Berlim esperavam-se 5000 pessoas para uma vigília à luz das velas e, em Hamburgo, onde se proibiu um protesto da extrema-direita, mais de 10 mil pessoas apoiaram quem foge à guerra, fome, perseguição e discriminação. A Alemanha já recebeu 450 mil pedidos de asilo este ano e prepara-se para quase o dobro. Só neste fim-de-semana devem chegar 40 mil pessoas ao país. Segundo o Der Spiegel, escolas, hospitais e centros de acolhimento estão no limite.
Europa anti migrante
A Leste nada de novo. Às marchas de solidariedade em Praga, Bratislava e Varsóvia, corresponderam protestos contra a chegada de refugiados à Europa. Em alguns casos, os protestos são comparáveis, mas noutros, como em Varsóvia, lideraram as marchas nacionalistas.
“Isto é guerra! Guerra entre duas civilizações”, ouviu-se da boca de “vários milhares” de pessoas na capital polaca, segundo escreve o Gazeta Wyborcza. A pequena multidão de mil pessoas que pedia um melhor acolhimento não se comparava à massa de cartazes negros, bandeiras vermelhas e brancas e os gritos que acusavam a Alemanha de lhes roubar a soberania.
O mesmo tom em Bratislava. “Atraiçoaram a Europa”, lia-se num cartaz da marcha nacionalista. Nele, as caras da chanceler alemã, Angela Merkel, e do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. Ou, como eram retratados, “Frau Sharia” e “Mohamed Juncker”.
Os movimentos de protesto na Europa Central não se comparam às demonstrações a Ocidente, mas vincam as grandes divisões europeias. Segunda-feira reúnem-se os ministros europeus do Interior e, nos dois dias seguintes, encontram-se os líderes dos Vinte e Oito. Discutem as propostas do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que, para além da revisão das regras de asilo na Europa, sugere um novo sistema de quotas que distribua 160 mil refugiados. Tem por diante as oposições da Hungria, República Checa e Eslovénia, e a ambiguidade do Governo polaco.
A proposta de Orbán
As cisões parecem ter resistido a um encontro na sexta-feira entre os ministros dos negócios Estrangeiros do bloco dos menos inclusivos com o líder da diplomacia alemã, Frank-Walter Steinmeier. O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, líder informal do movimento anti migração na Europa, insiste em dizer que o que está em causa são pessoas que querem “uma vida alemã, ou talvez sueca”, e não refugiados. E este sábado avançou com uma proposta alternativa ao “mundo de sonho” em que diz viver a Europa Ocidental.
Em entrevista ao tablóide alemão Bild, um dos jornais que mais activamente faz campanha pelo acolhimento de refugiados na Europa, Orbán defendeu a sua postura não inclusiva: para quem vem para a Europa, “as condições de vida na Grécia, Macedónia, Sérvia, Hungria e Áustria não são boas o suficiente”.
E, dizendo Orbán que as mais de 430 mil pessoas que atravessaram este ano o Mediterrâneo estavam “protegidas” em países “como o Líbano, Jordão e Turquia”, em campos de refugiados, a sua solução é a União Europeia enviar “um gigantesco apoio financeiro aos países vizinhos da Síria para reduzir o número de refugiados”. Como? “Sugiro que cada país dê mais 1% ao Orçamento da União Europeia e que ao mesmo tempo reduzamos a despesa para outros propósitos”.
Hungria e Áustria são os grandes canais do interior europeu para a massa de gente que quer chegar à Alemanha. Mas as práticas de Viena e Budapeste são muito diferentes. Enquanto na Áustria há organizações de apoio humanitário nas estações de comboio sobrelotadas e equipas que recebem quem atravessa a fronteira a pé, na Hungria, onde se ergue um novo muro de quatro metros e arame farpado na sua fronteira Sul, milhares de refugiados são enviados todos os dias para centros de identificação. Uma voluntária austríaca acusou estes centros de tratarem refugiados "como se fossem animais".
Tanto que, neste sábado, o chanceler austríaco comparou o tratamento húngaro de refugiados com as deportações nazis. “Pôr refugiados em comboios e enviá-los para um local completamente diferente do que o que esperavam lembra-nos do capítulo mais negro da história do nosso continente”, diz Werner Faymann, numa entrevista publicada este sábado na revista Der Spiegel.