Alexandre Quintanilha: “Era disso que gostava: uma circulação de cérebros”

A caminho do Parlamento nas listas do PS, Quintanilha assume a sua preocupação com os direitos humanos e com a defesa da liberdade individual. E deseja um Estado que permita a autonomia das pessoas.

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“Uma Europa que se sente confortável em que existam paraísos fiscais para as pessoas e para as empresas não é a Europa que eu quero” Miguel Manso

Formado em Física, especializou-se depois em Biologia, mas é um homem do mundo, com uma sólida e vasta cultura humanista. Quer levar o contributo específico que adquiriu no seu percurso singular. Será o primeiro deputado a ter casado em Portugal com uma pessoa do mesmo sexo: o escritor e professor universitário norte-americano Richard Zimler, com quem vive há 37 anos.

Vai ser a primeira pessoa casada com uma pessoa do mesmo sexo a ocupar um cargo político em Portugal. Este facto tem algum peso especial na sua decisão de se candidatar?
Nenhum. Para mim, essa questão deixou de ser um assunto. Para mim, deixou de ser há muito tempo e as pessoas já perceberam que deixou. Não tenho nem orgulho particular nisso, nem vergonha particular. Já passou a ser um não assunto, pelo menos para mim e para o mundo que eu conheço. Pode ser que eu esteja a viver num mundo muito protegido.

Essa sua transparência pode beneficiá-lo como candidato?
Espero que nem me beneficie nem me prejudique. Eu não conheço muita gente que tem uma relação de intimidade que dura há 37 anos e que está, se calhar, mais forte hoje do que era no início. Nunca tentei esconder isso, nem achar que é particularmente especial, mas gostaria que isso fosse entendido como um casal qualquer. E hoje na política vai sempre haver pessoas que acham que isso é uma mais-valia e quem ache que isso é um risco. Não é um assunto sobre o qual eu pense.

Vai mudar-se para Lisboa durante a semana?
Eu e o Richard já combinámos. Ele está no Facebook, eu não estou. Tem imensa gente com quem interage e já pôs uma notícia a dizer que nós estávamos à procura de um sítio pequenino e confortável. Vamos passar provavelmente três ou quatro noites por semana cá, se calhar vai haver alturas em que passamos várias semanas, como já não tenho nada que me obrigue a estar no Porto, já me jubilei, já não tenho aulas para dar...

Ele está disponível para vir?
Está. Isso foi uma conversa que tivemos logo depois do António Costa falar comigo porque nós estávamos com planos muito diferentes para a nossa vida. Isto foi uma alteração muito significativa.

Que eram?
Ler – tenho pilhas de livros que gostava de ler; viajar; envolver-me em outras coisas, em coisas que ainda não sei e que estaria aberto a descobrir. Sei lá, tirar algumas cadeiras de Arquitectura, voluntariar-me em grupos de apoio a vários tipos de questões que me tocam. Estava tudo em aberto, mas uma das coisas que tínhamos pensado era irmos passar algum tempo... Nós adoramos o deserto americano, as montanhas Rochosas, é assim tudo muito vazio, cheio de cores lindíssimas. Isso tudo foi suspenso durante pelo menos esta legislatura. Mas também disse ao António que nesta altura da minha vida tudo o que fizer tem de ser em acordo, não vou deitar 37 anos de vida fora.

Está disponível para assumir o mandato por quatro anos, não vai deixar a Assembleia? 
Não. Também é normal alguém dizer-lhe que não sabemos prever o futuro, não é? Não sou profeta. Não sei o que vai acontecer. Também digo que não sou um jovem, tenho 70 anos. Se esta minha decisão começar a afectar a minha saúde, eu abandono.

Já foi eleito como vereador na Câmara do Porto na lista de independentes apresentada pelo PS em 2009 e liderada por Elisa Ferreira e saiu...
O que aconteceu nessa altura é que eu percebi, até para pena minha, que, estando na oposição, não me era pedido nada. Quer dizer, eu estava ali nas reuniões da câmara e essencialmente ouviam se eu estava de acordo ou não. Sempre achei muito estranho que, tendo uma pessoa com a minha experiência na área da educação e do conhecimento, não tivessem pedido para fazer alguma coisa...

O presidente era Rui Rio...
Era. Isto não era nada de anormal, parece que sempre foi assim. Eu não queria necessariamente um pelouro, mas queria que me pedissem para pensar sobre alguma coisa. Confesso que, passados três meses, achei que não estava a fazer grande coisa. Na Assembleia há coisas ao nível nacional em relação às quais o que eu quiser fazer ou dizer pelo menos vai ser ouvido.

É o imperativo cívico de quem tem coisas para dizer que o leva a aceitar?
Já passei os últimos quatro anos a criticar muito a forma como a área do conhecimento em geral tem sido tratada, particularmente depois daquilo que foi uma história de sucesso durante muitos anos.

Refere-se a Mariano Gago?
Sim. Mas, já antes, Valente de Oliveira foi quem começou com o Programa Ciência. Cheguei a Portugal em 1990/91; desde 1991 eu senti que Portugal estava a apostar em todas as áreas do conhecimento.

Há uma regressão em outros domínios?
Outra coisa que tenho dito é que em Portugal a revolução deu liberdade política aos homens, mas deu liberdade política e muitas outras liberdades às mulheres. E elas estão numa fase muito mais frágil.

Por que razão?
Tudo aquilo que ganharam depois da revolução pode vir a ser questionado, pode vir a ser minado.

Fala da liberdade de costumes?
Veja o que se está a passar em relação ao aborto. Não me vou pronunciar se devem pagar taxas ou não, agora forçar uma mulher a ter de ter aconselhamento psicológico antes de tomar a decisão é tratar a mulher como se fosse uma criança. É uma posição paternalista.

Está disponível para recolocar essa questão?
Estou disponível. Eu não vou recusar nenhum aspecto de questões que são civilizacionais. Não sei se essa era aquela a que daria a maior prioridade.

A qual daria?
Há problemas em Portugal graves em relação à justiça, por exemplo. Não consigo conceber – quer dizer, consigo conceber: nos Estados Unidos puseram as pessoas em Guantánamo durante muitos anos sem serem acusadas de nada –, a mim, faz-me impressão pessoas que estão acusadas — isto independentemente da questão do antigo primeiro-ministro Sócrates — uma pessoa estar acusada, suspeita de qualquer coisa durante um ano. Eu isso não concebo.

Pretende, portanto, levantar questões relacionadas com direitos humanos. Está disponível para na Assembleia tratar de assuntos como o direito à morte assistida e até o direito à eutanásia?
Sim. Já falei muitas vezes sobre isso. Em relação à eutanásia, todas as pessoas têm o direito de pensar o que querem. Eu, Alexandre Quintanilha, gostaria de ter o direito de, quando quiser, interromper a minha vida, de o poder fazer.

É uma questão de liberdade individual...
Total. Tenho a maturidade, os conhecimentos, a inteligência e a sensibilidade suficientes para decidir isso sobre mim próprio e não quero que isso seja deliberado por decisão de terceiros. Acho muito bem que exista, como noutros países, a possibilidade de, se a pessoa quiser, essa decisão ser acompanhada por médicos que a possam ajudar, psicologicamente, farmacologicamente, mas é uma decisão individual. Não sei qual o nível de apoio que poderei vir a ter em relação a essas questões. Para mim, são importantes.

São coisas diferentes, embora tenham a ver com a morte, o testamento vital, a morte assistida e a eutanásia. Defende a liberdade máxima?
Pois. Estas questões dos direitos individuais são muito importantes para mim, mas não sei se são prioritárias. A questão do conhecimento, como a base fundamental da cidadania de um país, é a coisa que mais me apaixona. Eu quero ter pessoas que têm a educação, a informação, a sensibilidade para poderem ser cidadãos ou cidadãs de pleno direito.

Tem alguma mais-valia pela sua experiência universitária e como cientista?
Sinto que tenho. Sinto que conheci muito mundo, conheci muita gente, por quem tenho imensa admiração, que têm posições diferentes em relação a estas questões, li muito. Eu acho que a literatura é uma das coisas que mais nos enriquecem porque mostra outras formas de olhar para o mundo.

E uma das formas de conhecer o mundo...
E a nós próprios: descobrimos coisas sobre nós, lendo. Há livros que nos fazem crescer e descobrir. Há livros que nos fazem crescer e descobrir quem nós somos, porque há qualquer coisa que é dita de uma forma como nós nunca conseguiríamos dizer e que nos toca. Precisamente por ter 70 anos, por ter vivido em três continentes diferentes, em áreas de envolvimento muito diferentes, tive a capacidade de eu próprio aprender que [eu] não era aquilo que julgava que era e de crescer com este processo. Foi sempre isso que eu tentei fazer com os meus estudantes e a herança mais bonita que me deram os meus alunos, na minha última lição, foi aquela frase que puseram no meu gabinete a dizer: "Obrigado, professor, por nos ter ensinado a distinguir o que é óbvio do que é verdadeiro". Isso vindo de miúdos de 18 anos é de uma maturidade que conheço poucas pessoas que tenham...

Essa sua mais-valia que vem de um percurso especial e específico está disponível para levar isso ao nível do poder concreto? Está disponível para ser ministro nas suas áreas de Ciência, Educação?
Não sei responder a essa pergunta, porque eu nesta altura não estou a conceber isso. O desafio que me foi colocado foi candidatar-me a deputado. É uma situação nova. Apesar daqueles três meses na Câmara do Porto, eu nunca me senti político. Espero não me infectar demasiado com essa característica. Vai ser uma aprendizagem para mim, de certeza absoluta. Acabei de ler um livro maravilhoso, que se chama The Virtues of Mendacity: On Lying in Politics, de Martin Jay. "Mendacity" quer dizer a mentira sofisticada, o valor ou o desvalor de mentir. E na política há muitas coisas que se dizem de maneiras diferentes, há coisas que se dizem sem se dizer, que estão nas entrelinhas. É um mundo que eu não conheço muito bem, se calhar vou cair em imensas rasteiras, embora não me sinta tão ingénuo como isso porque no mundo académico também existe muita política, exactamente, mas é diferente. Estou com algum receio, mas apreendo depressa. A única coisa com que me comprometi foi com ser deputado.

Mas não exclui um dia vir a pensar uma participação num governo?
Se alguém me convidar a fazer parte de um Governo em Portugal ou fazer parte das Nações Unidas ou de outros cargos noutros sítios... À partida, há coisas que eu excluo: eu nunca faria parte de um Governo fascista ou nazi ou de simpatias da extrema-direita. Isso, eu nunca faria ou estaria associado a organizações dessas, mas em relação ao resto tenho aquela posição de dizer: "Veremos". Até porque quando se está num Governo não se está como figura isolada, tem de se perceber quem são. Há uma coisa de que tenho pena, que é esta fragmentação da esquerda em vários países, não só em Portugal, que torna a esquerda mais frágil...

É possível ultrapassar isso agora?
Possível é sempre; se é provável, não sei. Gostaria muito. Há tantas coisas que são valores comuns da esquerda que não se vai conseguir encontrar um entendimento... Há coisas que são intransponíveis: há quem ache que Portugal deve sair do euro; outras não. Penso que Portugal beneficiou imenso de entrar na União Europeia. Aliás, em grande parte, a minha vinda para Portugal tem a ver com isso. A Europa, no último século, matou cem milhões de pessoas por causa de guerras e fundamentalismos dos mais diversos.

Mas o momento que a Europa vive...
Não é com esta Europa – uma Europa que se sente confortável em que existam paraísos fiscais para as pessoas e para as empresas – não é esta a Europa que eu quero. Quando começo a perceber que Portugal provavelmente perdeu uma enorme quantidade de financiamento devido a impostos que deviam ser pagos e não são pagos e que teriam diminuído de forma dramática a austeridade a que nós fomos forçados, para mim não é a Europa que eu quero...

Acredita que com António Costa é possível um caminho para o país que passe por encontrar uma Europa alternativa?
Sim e não estou a ver mais ninguém capaz de fazer isso, de lutar por uma Europa alternativa. Se vai ser capaz, se vamos ser capazes disso, não sei.

A experiência grega não desiludiu quem achava que isso fosse possível?
Eu não conheço profundamente o caso grego. Houve ali uma fase de confrontação claríssima, a ver quem ganhava e eu nunca fui uma pessoa de confrontações. Toda a minha vida, tudo o que eu consegui fazer foi juntando pessoas, usando diplomacia, usando argumentos racionais.

A técnica de confrontação que o Governo grego encontrou não é a melhor via?
Pelos vistos, não foi. Não sei se teria outra forma de estar, não conheço a situação grega, mas não é a minha forma de estar. Mesmo nas questões dos direitos humanos eu gostava que as pessoas sentissem isso mais do que racionalizassem. É muito mais forte quando sentimos que devem ter todos os mesmos direitos de escolher a vida que querem ter e a forma como querem viver. E que possam mudar ao longo da vida.

Como vê a emigração crescente?
Toda a Europa, e não só Portugal, durante séculos teve emigração enorme. E nós fomos durante muitos anos um país de emigração. Agora as pessoas que estão a ir lá para fora não são as mesmas, são pessoas com qualificações muito mais elevadas. E também com outra variante: é que estas pessoas que vão lá para fora com qualificações muito altas vão lá fazer a sua vida e não estão a mandar dinheiro de volta.

Mas não há uma certa dramatização da emigração? O senhor, quando há 40 anos foi para os EUA fazer uma carreira como professor e investigador, isso foi importante para o país, traz mais-valias. A emigração pressupõe intercâmbio ou não?
Eu não tenho problema nenhum com as pessoas que estão a sair, acho óptimo, não deviam é ser forçados a sair, devia ser uma escolha. Há muito tempo que digo que todas as pessoas do mundo deviam passar cinco anos da sua vida noutros países, aprende-se imenso com isso. Penso é que Portugal já tinha criado as condições para muita gente de fora vir para cá. No instituto que eu estive a liderar durante muitos anos 30% dos investigadores não eram portugueses. Era disso que gostava: uma circulação de cérebros. Isso torna o país mais rico, as pessoas mais ricas, as discussões muito mais interessantes. A mim não me preocupa nada que esta gente jovem vá para fora, o que eu queria era que houvesse quem achasse que Portugal vale a pena pela Medicina, Engenharia, as Ciências Sociais. Por que é que hoje as Ciências Sociais e Humanas estão a receber muito menos investimento? Porque são perigosas. Nas Ciências Sociais podemos pensar um país diferente. Eu percebo que as Ciências Sociais sejam muito desconfortáveis para quem sabe a sociedade que quer...

Ao acreditar que Costa pode encontrar um caminho, acha mesmo que Passos Coelho e Paulo Portas sobrepuseram interesses privados ao interesse público e que valorizaram os mercados em detrimento das pessoas?
Sim. Clarissimamente. Ainda por cima quando temos a noção de que no dia anterior ao escândalo do Lehman Brothers eles estavam com uma pontuação de 3 A+. Costumo lembrar isto quando agora se discute a possibilidade de as pessoas porem parte das suas reformas em instituições privadas. É perigosíssimo! Eu já vi o que aconteceu com o Lehman Brothers, o que aconteceu com o Madoff, nos Estados Unidos, o que aconteceu com o BES.

Insisto nisto: acha que os líderes do actual Governo demonstraram uma atitude de valorizar o mercado e o sector privado?
Totalmente. Não sei o que um faz mais que o outro, mas enquanto equipa acho que é isso. É a desvalorização do que é público. Eu não sou contra o privado. Agora o privado tem o seu modus vivendi e o público tem o seu. Ao misturar os dois e ao arriscar aquilo que é muito importante no público em experiências que já foram testadas lá fora e que provaram que não funcionam... Esta coisa de dizer que aumenta a competitividade, torna o país muito mais competitivo: eu vivi muitos anos nos Estados Unidos e as minhas comparações são com os Estados Unidos. Há lá coisas que eu adoro, há outras que são repulsivas, mas antes do Reagan, na área da comunicação, ninguém podia ter mais de três ou quatro estações de rádio, uma ou duas televisões. Hoje em dia, noventa e tal por cento de todos os meios de comunicação nos Estados Unidos estão na mão de seis grandes empresas.

Há uma concentração excessiva...
A competição levou ao monopólio, não à diferenciação cada vez maior dos meios de comunicação. Aliás, estas grandes empresas têm interesses no Exército, no armamento, nas empresas de fármacos, na agricultura. Têm interesses enormíssimos noutros domínios. E, portanto, a informação que chega a noventa e tal por cento dos americanos está filtrada por estes meios. Isto já foi testado e já se sabe as consequências. Na área da educação a mesma coisa...

Fala do cheque-ensino?
É gravíssimo! As escolas que estão nas áreas influentes dos Estados Unidos cada vez têm mais dinheiro e as escolas que precisavam de apoio cada vez estão mais fracas.

Acha que este caminho do neoliberalismo leva a um mundo mais desigual?
A evidência mostra, não é uma opinião minha, eu não estou a inventar nada: o facto de um por cento da população mundial controlar 60 por cento da riqueza mundial. E se calhar nunca houve tanta concentração da riqueza como hoje. Eu sei que não somos todos iguais em capacidade, devemos ter todos as mesmas oportunidades e depois há uns que sobressaem mais que outros. Agora as diferenças abismais que existem são chocantes. Eu não sou religioso, mas o Papa actual fascina-me, é uma pessoa que está a pôr o dedo em questões fulcrais. E esta coisa da enorme diferença há momentos em que são chocantes. E, para mim, o que eu percebi em relação ao PS e ao António Costa é que houve pelo menos uma tentativa de fazer uma análise macroeconómica do sistema. Está toda a gente com medo de que ele está a prometer muita coisa e depois não há dinheiro. E o que os estudos mostram é que não é preciso mais dinheiro, é preciso é gastar o dinheiro de forma mais inteligente, mais virada para o futuro a médio e a longo prazo e não virada para o lucro.

É essa a diferença?
É. Nós não podemos isolar-nos do mundo. A globalização está para ficar, com todas as consequências. Para mim, a globalização é fabulosa. Vivi em três continentes, comecei pela física, fiz biologia, agora estou na sociologia, falo quatro línguas, algumas melhor do que o português, para mim a globalização não podia ser melhor. Agora pessoas que têm um emprego que depende de uma especialização muito específica e que de repente a empresa consegue ter o mesmo trabalho por um décimo do preço no Bangladesh...

... Há que proteger as pessoas?...
Não sei se usaria a palavra "proteger". Deve ser, em parte, proteger e estimulá-las para elas perceberem que há outros caminhos.

Há sempre uma saída, há sempre uma alternativa. É isso?
Há coisas que podemos aprender de novo. É essa parte que devia ser mais estimulada. E o investimento público devia ser para que as pessoas fossem capacitadas para crescerem e para mudarem, se quiserem. E esta ideia de que agora temos de criar cursos específicos porque há aquela necessidade de mercado é uma ideia quase adolescente.

Põe em causa o próprio conhecimento?
Nós sabemos que o mundo daqui a cinco anos vai ser muito diferente do que é agora, estarmos a formar pessoas para aquela gaveta. Nós precisamos é de pessoas que façam aquilo agora, mas daqui a cinco anos, quando houver outras coisas para fazer, tenham abertura para fazerem isso. E não tenham medo de o fazer, se sintam capacitadas, que se sintam crescer para que isso seja um desafio que não faz medo, que tem mais excitação do que medo.

Tem de haver uma aposta do Estado para dar às pessoas valências para essa capacidade de risco?
É uma obrigação dos pais, dos educadores, do Estado, da comunidade. Estimular as pessoas a serem curiosas e a serem imaginativas e a trabalharem.

É a função de um Governo também?
É a função claríssima de um Governo, porque o Governo está lá para as pessoas, por isso a sua função é ajudar a criar, promover uma sociedade em que a gente fique feliz com a realização dos outros. Isto não é fácil. Mas esse é o objectivo principal de qualquer sistema governativo. Foi um bocadinho o que o Roosevelt fez com o New Deal, quando a América entrou em depressão ele inventou "jobs" para as pessoas não se sentirem inúteis, abandonadas e sós. E há qualquer coisa neste neoliberalismo que a mim me choca: abandona as pessoas. E tem outra mensagem, que é uma mensagem muito negativa americana: "Se tu não és um sucesso, a culpa é tua". E como isso já acontece no privado, o Estado deve fazer o outro lado.

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