O charme das canções de Angel Olsen finalmente por cá

Três concertos em Portugal, com banda e a solo, para Angel Olsen mostrar em Guimarães e em Lisboa as canções assombrosas de Burn Your Fire for No Witness, que vagueiam entre a country e rock.

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Não há que estar munido de uma lupa ou ser dotado de um especial instinto detectivesco para discernir as pistas da presença de Leonard Cohen, Johnny Cash, Will Oldham, Wanda Jackson ou Patsy Cline nos temas do seu segundo álbum Burn Your Fire for No Witness, editado em 2014. Cada composição vagueia facilmente entre a country mais popular e uns arremedos de rock’n’roll primordial, tudo embalado pela postura de quem usa a música para uma expiação emocional em tom de enxurrada confessional.

Antes de Burn Your Fire, Angel Olsen estava muito longe de se fazer notar. O álbum de estreia Half Way Home fora uma pequena e muito discreta edição e só com uma boa dose de risco alguém apostaria na menina do Cairo Gang que acompanhava Bonnie “Prince” Billy, responsável por segundas vozes, como uma cantora/compositora que não tardaria a revelar-se. Mas, no entanto, havia já quem estivesse certo de que a aposta devia ser feita. Em Março de 2014, quando Burn Your Fire começava a espalhar rapidamente o seu imenso charme pelo mundo, Olsen revelava à revista norte-americana Spin que tempos antes fora desafiada por Sérgio Hydalgo, programador da Galeria Zé dos Bois (ZdB), a passar duas semanas num estúdio na costa portuguesa para gravar o que lhe aprouvesse. Na altura, não pôde aceitar. Daí que a ocasião rara de por estes dias Angel Olsen se apresentar em Lisboa em dose dupla promovida pela ZdB, com banda (dia 8, no Campo de Santa Clara, concerto integrado na Trienal de Arquitectura, já esgotado) e a solo na Zé dos Bois (dia 9) facilmente se explica. Antes de Lisboa, primeira paragem, este sábado, para actuação no Festival Manta.

“Estou muito ansiosa por estes concertos e penso que vai ser uma das poucas ocasiões na nossa digressão em que isto vai acontecer”, confirma a cantora ao PÚBLICO sobre apresentar-se em dois formatos distintos. “Com a banda posso criar sons em conjunto e embelezar os temas mais upbeat. E é divertido perder-me nas canções e esquecer-me de mim enquanto centro. Num espectáculo a solo tendo a tocar canções à guitarra e sinto-me muito exposta. Mas gosto de ambas as situações.”

Papel secundário

Não se trata de um momento especialmente agitado na agenda de Angel Olsen. Os concertos portugueses integram-se numa curta digressão que passa ainda por Espanha, Turquia e Grécia, estando prevista mais uma meia-dúzia de actuações para Outubro na Costa Oeste dos Estados Unidos. “Tenho estado a aproveitar o Verão e a recuperar a minha vida”, comenta sobre os últimos meses. “Estou a tirar algum tempo para mim, mas também tenho andado a compor e a fazer algumas coisas com outros artistas.” De uma natureza esquiva, toda a atenção despertada por Burn Your Fire e temas como Unfucktheworld ou Hi-Five apenas relembra a cantora de que a sua condição natural é a de algum recato. Até porque não hesita em reconhecer que o segundo álbum a “mudou” de alguma maneira e não dá mostras de querer precipitar-se de imediato numa nova aventura de arrebatamento.

Ainda assim, Angel Olsen nunca pára de escrever – se não forem letras de canções, pois então são pensamentos soltos ou o que quer que lhe ocorra com uma urgência que não se compadece com adiamentos. “Sempre fui inquieta e em muitos sentidos acho que isso contribui para a minha escrita”, acredita. “Mas se não estou a fazer os meus discos consigo trabalhar com outros músicos e gravar segundas vozes noutros projectos. Sempre houve algo de revigorante no facto de não estar tão presa às palavras ou não controlar as palavras e os sons. Às vezes sabe bem ficar simplesmente ao fundo e desempenhar um papel secundário.”

Esse papel secundário é também confortável para alguém como Angel Olsen, alguém que não se preocupa em filtrar admissões de insegurança e de desconfiança nos seus talentos. Unfucktheworld é não apenas um desabafo de quem olha à volta e vê “um mundo lixado”, cujo diagnóstico comum a muita gente é incapaz de impedir que cada um se continue a lançar mecanicamente na sua vida embarcando nessa espécie de suicídio colectivo, mas também um recado para si mesma, para se lembrar de desligar o piloto automático e para descomplicar o seu próprio mundo. Essa tendência para a descomplicação é tão atraente quanto Hi-Five, soberba canção country em que ironiza a ponto de se parecer regozijar com a sua própria solidão. Regra geral, como nessas duas ocasiões, aquilo que em Angel Olsen é seduzir com a mais pura das armas: uma honestidade desarmante, que nem a acidez mascara.

Daí que não se esforce também por definir direcções musicais a seguir ou por ignorar que há noites em que se dá conta do seu desinteresse por certas canções do seu reportório. O truque, admite, é tentar reencontrar-lhes alguma frescura, conseguir enganar-se a si mesma e acreditar que acabou de compor o tema em causa. Resta-lhe isso e mergulhar nos seus discos preferidos para levar para a estrada. E que actualmente incluem Helen Shapiro, The Weeknd, Robbie Basho, Demis Roussos ou Mariah Carey. Mesmo que, às primeiras notas, seja óbvio que não são estes nomes que a assombram.

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