Milhares de refugiados partem a pé de Budapeste para a Áustria

Hungria endurece acção contra refugiados: um grupo que tentava sair do campo de Röszke foi apanhado, pessoas foram metidas em autocarros e algemadas. Em Bicske um paquistanês morreu ao bater com a cabeça nos carris.

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Cartazes de Merkel na "marcha de Budapeste" Bernadett Szabo /Reuters
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Um dos grupos que saiu de Budapeste em direcção à Áustria ATTILA KISBENEDEK/AFP
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Alguns refugiados no comboio recusam comer e beber Laszlo Balogh/Reuters
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Os refugiados estão impedidos de sair do campo de registo junto à fronteira sérvia CSABA SEGESVARI/Reuters
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À noite, depois de horas de impasse e tensão, o Governo húngaro fez saber que uma frota de autocarros seria disponibilizada, "nas próximas horas", para transportar os cerca de 1200 caminhantes - e os outros milhares de refugiados que ainda ficaram na gare ferroviária de Budapeste - até à fronteira com a Áustria. "Mas isso não quer dizer que eles vão poder sair do país. Ainda estamos à espera da resposta do Governo austríaco", ressalvou à Reuters o chefe de gabinete do primeiro-ministro Viktor Orban, Janos Lazar.

"À uma da tarde saíram da estação", conta ao PÚBLICO Pedro Fiel, o português de 27 anos que está na marcha — de férias em Budapeste, decidiu que tinha que ir todos os dias à estação de Keleti, conversar, ajudar, ainda que tenha percebido depressa que "eles não precisam de comida, precisam é de sair dali; ninguém quer ficar".

Nesta sexta-feira, chegou perto das onze da manhã. Meia hora depois, ouviu o anuncio da partida, feito num megafone. E à uma, quando a longa fila de gente saiu da estação, ele que já tinha conhecido algumas pessoas, viu-os "começar a andar" e andou também. "Vou até ao fim".

É Pedro Fiel que conta que a ideia de seguir a pé — "como muitos deles começaram esta viagem" — já circulava, há alguns dias, em Keleti, onde ainda estão milhares de pessoas, vivendo em condições de higiene "deploráveis", segundo a Reuters.

Keleti está situada na extremidade de uma das principais avenidas de Budapeste. Os refugiados percorreram a longa avenida Rákóczi, passaram a ponte Erzsébet (Isabel) e avançaram para a auto-estrada em direcção à fronteira com a Áustria. A marcha já levava sete horas quando Pedro Fiel falou ao PÚBLICO. "Há uma espécie de auto-organização. E a polícia está presente, mas apenas para manter a marcha ordeira e de forma a que não perturbe o trânsito na auto-estrada. De vez em quando aparecem três ou quatro polícias para manter as pessoas nas bermas, há sete ou oito carros de polícia" a acompanhar os refugiados. "Na estação percebeu-se que eles foram apanhados de surpresa, os polícias, não esperavam o que aconteceu".

Ao início da noite, a polícia húngara pediu aos refugiados para usarem roupa com cor, para que os automobilistas os vissem.

Pelo menos nas primeiras horas da caminhada ao sol e sob calor intenso, os refugiados não tiveram grande assistência. "Só vi a Migration Aid [uma ONG] a dar algum auxílio. E algumas pessoas foram deixar água e bolachas à entrada da auto-estrada".

Nas imagens que as agências noticiosas distribuíram, vê-se gente em cadeira de rodas nesta "marcha de Budapeste", como já lhe chamaram. Há carrinhos de bebé, famílias inteiras. E uma enorme bandeira da União Europeia. Algumas pessoas saíram de Budapeste com fotografias da chanceler alemã, Angela Merkel, na mão.

Há vários dias que os refugiados estavam bloqueados na capital da Hungria, um país na rota dos refugiados que, fugindo a guerras, conflitos e perseguições nos seus países, não querem apenas chegar à União Europeia, querem chegar a lugares concretos onde acreditam que poderão viver (sem ameaças) e viver melhor. Pedro Fiel caminha junto de Akhmed, um estudante de engenharia de Damasco, a capital da Síria de Bashar al-Assad, que tem a Alemanha como destino, como muitos refugiados. "Para ele, que estudou alemão, é natural ir para lá. Quanto aos outros... estas pessoas estão informadas. Sabem que a Alemanha é o país que os está a acolher da melhor maneira e querem ter uma vida melhor melhor."

Não sabem quanto tempo demorará esta viagem. "Nada nos vai deter, marcharemos o tempo que for preciso, dois, três, quatro dias", disse à AFP Nazir, um sírio que fazia o balaço dos dias que passou, em vão, na estação de Budapeste. Talvez outros se sigam.

Esta sexta-feira, a segurança dos que ficaram foi posta em causa quando um grupo de extrema-direita atacou a zona onde, na gare, os refugiados montaram algumas tendas. Atiraram-lhes garrafas e dois foguetes. "Os refugiados estavam assustados e alguns dos homens envolveram-se em confrontos com os extremistas. A polícia anti-motim foi chamada", relata a BBC; pouco depois a situação acalmou.

De todos os países europeus na rota dos refugiados, a Hungria foi o que optou pela linha mais dura na resposta a esta crise humanitária. Bloqueou os refugiados, e está a criar mecanismos que os impeçam de prosseguir para a Áustria e Alemanha.

O Governo de Viktor Orbán (direita), pretende que sejam todos registados e, depois, enviados para campos de acolhimento. Os refugiados não querem fazê-lo, por recearem perder o direito ao pedido de asilo quando chegarem ao país que querem alcançar — de acordo com as regras da União Europeia, o pedido de asilo tem que ser feito no país a que se chega à UE.

Apesar dos obstáculos criados pela Hungria, são cada vez mais os refugiados que chegam a este país. Na quinta-feira, passaram a fronteira em Röszke, entre a Sérvia e a Hungria, 3300, um número recorde; esta sexta-feira esta fronteira foi encerrada durante algumas horas, em resposta a uma "fuga" e a confrontos entre refugiados que tentavam sair do campo e a polícia.

A "fuga" aconteceu de manhã. Trezentas pessoas derrubaram a vedação e puseram-se em marcha, pretendendo seguir, também a pé, para a Áustria. Foram todos "interpelados", a palavra usada pela polícia. "Segundo as nossas estimativas, 300 imigrantes ilegais passaram a cerca do centro de registo em dois grupos e correram para a auto-estrada" que segue para Budapeste, tinha anunciado a polícia ao início da manhã, num comunicado que acrescentava que estavam a "ser feitas todas as diligências para os interpelar".

Um jornalista do Buzzfeed em Röszke falou com um refugiado que lhe dizia que não há quem esteja ali voluntariamente. "As pessoas no campo estão a planear caminhar até à Áustria — disse. Outro, mais duro, explicou porquê: "A Hungria odeia-nos".

Organizações não governamentais húngaras de apoio aos refugiados publicaram no Twitter imagens do que se passou em Röszke. As fotografias mostram a polícia a lançar gás lacrimogéneo para dentro das tendas. Dizem também que os refugiados foram metidos em autocarros — não se sabe para que destino; sabe-se que o Governo de Orbán quer enviar todos para campos — e que os homens iam algemados.

Noutro local, aconteceu uma terceira marcha. Em Bicske, a cerca de 35 quilómetros da estação de Budapeste, onde estava parado um comboio com destino a Viena que a polícia mandou parar na quinta-feira para retirar os refugiados que nele seguiam e levá-los para campos de registo, 300 pessoas puseram-se a caminho da Áustria, pela linha férrea. Até meio do dia, o resto do grupo (entre 200 e 300 pessoas) recusava abandonar o comboio. Segundo a Associated Press, a polícia levou água e alimentos a estes refugiados, mas alguns recusaram, em protesto. Porém, à chegada da polícia de intervenção, começaram a abandonar voluntariamente as composições e a entrar em camionetas com destino a um campo de acolhimento nas proximidades, relatava a AFP.

Foi em Bicske que morreu o primeiro refugiado na Hungria, um homem, paquistanês, que caiu e bateu com a cabeça nos carris.

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