A música ainda não começara mas já se vivia o “espírito” Paredes de Coura
É o ambiente especial, a partilha. É o Vodafone Paredes de Coura visto como um refúgio. Assim se explica a enchente que já se registava na tarde desta quarta-feira, a primeira do festival que tem Tame Impala, TV On The Radio ou Charles Bradley como destaques.
Estamos na tarde de quarta-feira, dia do arranque oficial do Paredes de Coura que, na verdade, já começou no fim-de-semana passado. Isso é o que não sabem ainda os muitos que vemos chegar, tendas e mochilas às costas, planeando o local tão confortável que, imaginam, irão certamente encontrar na zona para campismo protegida pela sombra fresca do bosque. É vê-los depois, mão a coçar a cabeça, quando se deparam com tendas, e mais tendas, e mais tendas.
Marta Maio, de Almada, 21 anos, está à beira-rio de guarda a um monte de mochilas. Não as dela, as de amigos que ainda não sabem o que os espera na procura de um lugar. Marta está em Paredes de Coura desde segunda-feira. Veio pela primeira vez o ano passado, repete presença este ano, “e virei todos os anos”, acrescenta. Costuma passar por outros festivais ao longo do ano, mas escolhe-os consoante o cartaz. “Em Paredes de Coura não preciso de conhecer o cartaz. Sei que haverá bandas que quero ver, mas venho pelo ambiente e pela partilha.” Há muitas bandas que quer ver este ano – “Tame Impala, Merchandise, Ceremony, Gala Drop, Banda do Mar” - mas é ouvir a música neste “refúgio”, como define o festival, que a atrai até cá.
É mesmo verdade: estamos no primeiro dia, aquele em que apenas o palco principal, o Vodafone, estará em funcionamento para receber TV On The Radio, Slowdive, Blood Red Shoes, Ceremony e Gala Drop, a quem cabe a honra de abertura do festival, e Paredes de Coura está cheia como nunca.
Na zona relvada nas margens do rio Coura, corpos cansados da actividade dos dias anteriores recuperam energias para a maratona que se segue, indiferentes à azáfama à sua volta. Num canto, coze-se um tacho de massa num Campingaz. Entre duas árvores, alguém prendeu uma corda funâmbulo que alguns e algumas tentam atravessar com a perícia possível (corda a um metro do chão, que não se vem ao festival para passar por acidentes trágicos).
Deitado na relva, alguém lê o Pela Estrada Fora de Kerouac. Sentados na sombra do campismo, outros publicitam a temporada do circo Victor Hugo Cardinali em Viana do Castelo, num cartaz trazido sabe-se lá de onde. No palco Vodafone, os Ceremony fazem o teste de som e, quando terminam uma canção, irrompem aplausos das suas costas, como se de um concerto a sério se tratasse – o público acampado parece aprovar o que acaba de ouvir.
E, à torreira do sol, sentados nos bancos de um dos bares adjacentes aos acampamentos, João Amaral, 23 anos, e Rodrigo Pinho, 21, vindos de Sever do Vouga, explicam a enchente pela conjugação “do cartaz forte”, que, apesar de “alternativo, atrai bastante gente”, com “a história e o espírito do festival”.
Falam do conforto das tardes passadas no arvoredo junto ao rio, falam da vivência da vila acolhedora, falam dos Tame Impala (toda a gente parece falar dos Tame Impala, cabeças de cartaz de quinta-feira), Slowdive, TV On The Radio e Legendary Tigerman que querem ver nos próximos dias.
Na outra margem do rio, num dos baloiços ali instalados para prazer do público, dois técnicos de palco com muitos Paredes de Coura às costas (e 13 festivais já contabilizados este ano), falam com saudade dos tempos em que os Foo Fighters ou os Queens of The Stone Age passaram por Coura.
Torcem o nariz a Tame Impala e destacam Charles Bradley, “o novo James Brown”, como um concerto imperdível. Depois, Nuno Mota e Ricardo Pereira apontam para os grupos que chapinham no rio. “Paredes de Coura? Paredes de Coura é isto.” Sim, é isto. Tudo isto. E a música ainda nem começara.