Família cigana suspeita de abusar durante anos de nora menor

Desvirginada por uma tia, casada à força e agredida pelos sogros, rapariga órfã de pai fugiu de casa mas já se encontra protegida.

Foto
Depois de ter sido encontrada à beira da estrada, a adolescente cigana foi entregue à GNR Daniel Rocha (arquivo)

No passado dia 1 de Junho, um casal espanhol que seguia pela estrada que liga Figueira de Castelo Rodrigo a Vilar Formoso encontrou-a a deambular por ali, aparentemente sem destino. Fugia dos maus tratos que lhe foram infligidos ao longo de anos pelos próprios familiares, e que incluíram abusos sexuais. O caso foi revelado esta sexta-feira pela Polícia Judiciária, que deteve seis adultos suspeitos de serem os autores destes crimes, incluindo o marido imposto à menor, ainda ela tinha 13 anos.

Segundo uma fonte do departamento de investigação criminal da Judiciária da Guarda, foi quando a adolescente se começou a interessar por um rapaz não cigano que a tia resolveu casá-la à força com um primo direito, sete anos mais velho.

“O casamento incluiu um teste de virgindade: outra tia desflorou-a com os dedos e colocou as manchas de sangue num lenço”, descreve a mesma fonte de informação. O enlace teve lugar no início do ano e, apesar de consumado, a rapariga “sempre resistiu” como pôde à união feita contra a sua vontade. Por fim, “ameaçou fugir de casa e começou a ser agredida pelo marido e pelos sogros”.

Cinco dos parentes — tios, sogros e marido — responderam esta sexta-feira perante um juiz de instrução criminal também por indícios do crime de sequestro, uma vez que retiveram a menor contra a sua vontade. A tia que a desvirginou responde por agressão sexual, tal como o marido de 20 anos. Durante vários anos terão sobrecarregado a vítima “com excessivos trabalhos domésticos, privado a sua liberdade de desenvolvimento e autodeterminação sexual, submetendo-a a abusos, e também a terão sujeitado a maus tratos físicos e psíquicos”, descreve a Judiciária em comunicado. O magistrado proibiu-os de se aproximarem da jovem. Enquanto não forem julgados terão de se apresentar semanalmente às autoridades.

Depois de ter sido encontrada à beira da estrada, a adolescente cigana foi entregue à GNR, de onde rumou para uma instituição de solidariedade social, que a acolheu. Encontra-se bem e vai voltar a estudar, informam as autoridades. 

Cumprindo o acordado na Convenção de Istambul, Portugal também vai tornar crime o casamento forçado. Segundo a mais recente alteração ao Código Penal, que por só entrar em vigor em Setembro próximo já não se aplica a este caso, "quem constranger outra pessoa a contrair casamento ou união equiparável (...) é punido com pena de prisão até 5 anos". Os actos preparatórios deste crime, incluindo "o de atrair a vítima para território diferente do da sua residência com o intuito de a constranger a contrair casamento", são igualmente punidos, com pena de prisão até um ano ou com multa.

Mesmo sem conhecer o caso concreto de Figueira de Castelo Rodrigo, o presidente da Federação Cigana de Portugal  António Pinto Nunes, manifesta-se contra a ocorrência de situações deste tipo. "Condeno veementemente o casamento à força". O mesmo dirigente entende ainda que os jovens não devem abandonar a escola antes de completarem a escolaridade mínima obrigatória, por muito que isso não lhes confira grandes vantagens na procura de emprego. Já quanto à chamada prova de virgindade feita na altura do casamento, António Pinto Nunes pensa que "é muito provável que se mantenha" no futuro, apesar de constituir uma agressão sexual.

"Se de facto as coisas aconteceram como está a ser relatado é de lamentar", observa, acrescentando que casos como este são a excepção, e não a regra, na comunidade a que pertence. "As ciganas hoje em dia falam de igual para igual com os maridos. Mas são eles que têm a última palavra", explica.

A presidente do secretariado diocesano de Lisboa da Pastoral dos Ciganos, Fernanda Reis, explica que a ritual da perda da virgindade faz parte integrante da festa de casamento cigana: “Depois disso há grandes manifestações de alegria”. É a família da noiva que entrega essa “jóia intacta” ao marido, sintetiza. O lenço manchado de sangue é depois guardado pelos progenitores da mulher, “como algo de precioso”. Fernanda Reis acredita ser possível operar uma mudança de mentalidades, tanto neste aspecto como no da escolarização, através do diálogo com a comunidade e de um trabalho de proximidade. “Esta rapariga não se conformou. Mas muitas outras conformaram-se”, declara.

O PÚBLICO tentou também ouvir a Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas sobre este caso, mas nenhum membro da direcção esteve disponível para se pronunciar.

Sugerir correcção