Os cartazes da nossa confusão
A confusão consiste em pretender actuar como se a mensagem política em ambiente eleitoral fosse um “produto” vendável.
Pareceria que não seria difícil, a uma força política que estivesse bem inserida na sociedade e fosse activamente solidária com os que sofrem situações iníquas ou socialmente injustas, encontrar quem quisesse dar cara e testemunho da sua sorte e indignação. Bem, mas se, por razões de recato ou de prudência, não fosse conveniente a identificação, haveria por certo outras formas impessoais de transmitir a mensagem relativa a essas situações reais e sentidas como verdadeiras. A convicção e sentido de veracidade dependeriam do engenho humano mas teriam sempre raízes num magma de casos bem conhecidos pelo partido ou organização política.
Ora, a infeliz confusão consiste em pretender transmitir uma mensagem política e simultaneamente pretender que ela possua os atributos personalizados que uma teoria de comunicação, em ambiente de publicidade, aconselha para a generalidade dos “produtos” vendáveis. A confusão consiste em pretender actuar como se a mensagem política em ambiente eleitoral fosse um desses “produtos”. A confusão torna-se um perigo quando a sensibilidade política é esmagada pela técnica publicitária indiferenciada e a raiz das situações passa a ser um trabalho técnico de gabinete. Mas também revela a indiferença e até uma hipocrisia por parte dos cidadãos. De todos nós.
Hipocrisia quando permitimos o jogo permanente da ilusão nos mais diversos domínios da comunicação. Quando fingimos acreditar que determinada figura pública tem todo o dinheiro no banco X, porque o diz num anúncio. Determinado artista usa o produto Y e afirma estar muito feliz porque o diz num vídeo publicitário. Quando aceitamos que crianças venham sensibilizar o consumidor como se fosse possível terem essa vontade e consciência. Quando aceitamos os risos e palmas em programas de televisão como se fossem genuínos. Não criticamos, não dizemos basta, deixamos empolar esse poder da ilusão como se um tesouro fosse. Na verdade, existem é contratos e dinheiro para figurantes. Inconscientemente somos cúmplices desse doce mas não inocente engano.
Felizmente, ainda pode aparecer alguém a dizer “o rei vai nu” e podemos reflectir no “engano” de algumas mensagens mais perturbadoras. Sabemos que, agora, muitas pessoas distribuem a sua fotografia por tudo o que é rede social. Mas, se não foram rotundamente enganados desde o princípio, também hipocrisia ou ingenuidade total dos que, simpatizantes ou não da causa, aceitam participar e dar o rosto sem cuidar de garantir para quê. Talvez sonhassem aparecer em cenário de fantasia feliz. Quando o pano subiu não terão gostado do personagem que lhes caiu: um desempregado? Um pobre, eu? Sentiram-se mal na fotografia. Meras reflexões pessoais que poderemos fazer mas sem certezas! Enfim, um episódio que não ajuda à discussão de opções políticas essenciais para a sociedade e que distrai dos conteúdos dos cartazes mas que tem o mérito de fazer reflectir sobre um assunto muito relevante: o modo como podemos ser moldados por técnicos da comunicação forçada.
Professor Emérito (ULisboa/IST), Director da APRe! — Aposentados, Penisonistas e Reformados