Mais perto do fim da epidemia do ébola?
Só dois novos casos de infecção pelo vírus do ébola na última semana e uma vacina que continua a revelar-se eficaz são boas notícias para a luta contra uma epidemia que já matou perto de 11.300 pessoas.
Mas Joanne Liu, presidente internacional dos Médicos Sem Fronteiras – a organização não-governamental de saúde sem fins lucrativos que esteve na luta contra esta epidemia quase desde o momento zero –, ainda não está contente. “Hoje, todos os ingredientes que permitiram a devastação do último ano ainda estão connosco: estamos na temporada das chuvas, há uma resposta descoordenada, e há medo e desconfiança”, descreve a especialista, num comentário publicado nesta quinta-feira na revista científica Nature, no qual argumenta que as respostas à epidemia ainda não conseguiram eliminar os problemas que permitiram ao surto tomar proporções nunca antes vistas.
No sábado faz um ano que a epidemia do ébola na África Ocidental foi declarada como uma emergência de saúde pública de âmbito internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Na altura, 1779 pessoas já tinham sido infectadas por este vírus hemorrágico, 961 das quais não tinham sobrevivido. A Guiné-Conacri, a Serra Leoa e a Libéria, os três países no centro da epidemia, tinham sido apanhados por uma doença com que nunca tinham lidado.
O surto começou em Dezembro de 2013, no Sul da Guiné-Conacri, mas a OMS só foi notificada em Março de 2014. Nos meses seguintes ao início do surto, o vírus progrediu para a Libéria e a Serra Leoa. Sem sistemas nacionais de saúde desenvolvidos e preparados para responder a uma crise destas, a doença expandiu-se rapidamente com ajuda do medo e da desconfiança das populações em relação aos médicos, a que se referia Joanne Liu.
Depois, a surdez da comunidade internacional em relação a um sério problema sanitário, que impediu uma resposta rápida e coordenada para ajudar os três países a livrarem-se do vírus, levou a que em Agosto de 2014 esta já fosse a pior epidemia do ébola desde que este surgiu pela primeira vez em 1976, no Zaire, hoje República Democrática do Congo.
“Os países afectados até agora não têm simplesmente capacidade de lidar sozinhos com um surto deste tamanho e complexidade. A nossa segurança sanitária colectiva depende do apoio às operações de contenção nestes países. Exorto a comunidade internacional a dar o apoio devido à necessidade mais urgente”, dizia então Margaret Chan, directora-geral da OMS.
A ajuda significativa iniciou-se a partir de Setembro, com material, dinheiro e pessoal médico. Ao mesmo tempo, acelerou-se a investigação de vacinas e medicamentos contra uma doença que, até agora, não tem nenhum tratamento comercial, e neste surto matou mais de 40% dos infectados.
Passado um ano, e depois de a doença ter ainda tocado a Espanha, os Estados Unidos, a Itália, o Mali, a Nigéria, o Senegal e o Reino Unido, o vírus infectou 27.898 pessoas, matando 11.296. Entre o pessoal médico, 880 pessoas foram infectadas, morrendo 512.
A partir de Janeiro os novos casos começaram a diminuir. Na semana passada, houve apenas um caso novo na Guiné-Conacri e outro na Serra Leoa. Há mais de 21 dias, o período de incubação do vírus, que a Libéria não tem nenhum novo doente.
“Nas últimas quatro semanas, passamos de 30 casos (por semana) para 25, para sete e, na semana passada, para dois casos. Esse progresso é real”, disse Bruce Aylward, director-adjunto da OMS, citado pela agência Reuters, que é cauteloso sobre as próximas semanas. “Há um enorme risco em expectativas não realistas de que isto caminhe para uma ausência de casos. Isto não vai acontecer. Vamos ter mais alguns ressurgimentos. O poderá continuar durante meses.”
A Libéria é o exemplo desta dinâmica. No início de Maio declarou-se que o país estava livre do ébola. Mas no final de Junho surgiram seis novos casos, duas pessoas acabaram por morrer, as outras quatro curaram-se.
Só nesta semana, já foram confirmados mais dois novos casos no distrito de Tonkolili, no Norte da Serra Leoa. Em Tonkolili, “teve de se pôr em quarentena uma aldeia inteira e ainda um hospital, por isso há quase 600 pessoas em quarentena por causa de um único caso”, contou Bruce Aylward. Ainda assim, este responsável da OMS faz uma previsão para o fim da epidemia: é um “objectivo realístico conseguir parar as transmissões ainda este ano”.
A vacina VSV-ZEBOV, das empresas farmacêuticas Merck e NewLink Genetics, poderá vir a ter um papel nessa luta. A vacina usa apenas uma glicoproteína do vírus do ébola. O ensaio clínico que se está a fazer na Guiné-Conacri desde Março, o único que não foi interrompido nas populações afectadas, mostrou uma protecção muito alta contra o ébola. A directora-geral da OMS considera que a vacina veio “mudar o jogo”.
Os ensaios clínicos utilizaram uma técnica chamada “anel de vacinação”. Quando alguém era infectado pelo vírus, as pessoas que tinham contactado com esse doente eram vacinadas, e as pessoas que tinham estado em contacto com as pessoas mais próximas dos doentes também eram vacinadas. Mas enquanto uma parte das pessoas do anel era vacinada imediatamente, a outra só o era passados 21 dias.
Ao todo, foram vacinadas mais de 4000 pessoas. Dezasseis adoeceram no grupo que só foi vacinado ao fim de 21 dias, enquanto no grupo vacinado imediatamente ninguém adoeceu.
“O tamanho da amostra é demasiado pequeno para dizer, sem dúvida, que é 100% eficaz. Isso não teria precedentes. Nunca houve uma vacina que fosse 100% eficaz. Isso quereria dizer que ninguém no mundo seria infectado – e isso nunca acontece. Mas esta é uma vacina altamente eficaz”, explicou Anthony Fauci, director do Instituto Nacional das Alergias e Doenças Infecciosas (INADI), um dos vários Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, numa entrevista à revista Scientific American.
Para aquele especialista, a vacina deverá ser direccionada para os locais do surto ou para o pessoal médico em contacto com os doentes, e não para toda a população em geral. Na Guiné-Conacri, os ensaios clínicos prosseguem: assim que há um caso novo de ébola, toda a gente está a ser vacinada no regime do anel. Os outros países terão de esperar que a vacina seja aprovada para a comercialização.
E o estudo agora publicado na Science reforça os argumentos para o uso da VSV-ZEBOV. Uma equipa de investigadores do INADI, coordenado por Heinz Feldmann, testou a vacina em 15 macacos antes de serem infectados (três, sete, 14, 21 e 28 dias antes) com o tipo de vírus do ébola que desencadeou este surto.
Os macacos vacinados sete ou mais dias antes de serem infectados pelo vírus não demonstraram quaisquer sintomas da doença e tiveram uma forte resposta imunitária. Dois dos três macacos vacinados apenas três dias antes da infecção desenvolveram a doença. Um deles morreu. “Isto indica que a vacina pode proteger humanos contra infecções do ébola na África Ocidental, criando imunidade num tempo relativamente curto”, diz o artigo.