Pode a morte de um bebé acabar com a cultura de impunidade dos colonos em Israel?

Dois adolescentes palestinianos mortos em confrontos com militares israelitas depois do ataque que matou bebé de 18 meses e deixou o resto da família com graves queimaduras. “Já começou a contagem decrescente para o próximo ataque, e o seguinte”, alerta ONG israelita.

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Amigos do adolescente Mohammed Al-Masri, morto pelas forças israelitas em Gaza Mohammed Salem/Reuters

Seguiram-se horas de tensão ainda na sexta-feira, e medidas de segurança extraordinárias, temendo-se um aumento de violência. Nas horas seguintes, morreram dois palestinianos em confrontos com militares israelitas, um na Faixa de Gaza (de 17 anos), outro na Cisjordânia (com 14 anos). O funeral do bebé de 18 meses – um corpo minúsculo embrulhado numa bandeira palestiniana e num kaffyieh  –  fez-se na localidade atacada, Duma, perto de Nablus, enquanto os pais e o irmão estavam em unidades de cuidados intensivos em Israel; a mãe em estado crítico e o pai e irmão em estado grave.

Responsáveis da localidade de Duma planeiam construir uma nova casa para a família, “só esperamos que possam voltar a casa vivos, e bem”, disse à Al-Jazira Samir Dawabsheh, líder do conselho local e parente distante das vítimas. “Decidimos deixar a casa como está, queimada e tudo, para que se torne um símbolo dos crimes dos colonos e da ocupação.”

O ataque foi uma das muitas acções que extremistas a viver em colonatos israelitas levam a cabo contra palestinianos – normalmente habitantes de colonatos ilegais mesmo à luz da lei israelita (muito mais permissiva do que a lei internacional, segundo a qual todos os colonatos israelitas na Cisjordânia e Jerusalém Oriental são ilegais, já que estes são território ocupados). 

São os chamados ataques “price tag”, de “preço a pagar”: a retaliação contra os palestinianos por acções do Governo israelita contra os colonatos (por exemplo, demolições de estruturas ilegais segundo o Estado hebraico) ou, embora mais raras vezes, retribuição de violência de palestinianos sobre colonos (ainda mais raramente, podem atacar até entrepostos militares israelitas).

Normalmente os ataques são acompanhados de graffiti: a palavra “vingança” e uma estrela de David, como no caso do ataque de sexta-feira. Por vezes, os ataques são apenas vandalismo, ou mesmo só graffiti, como uma estrela de David numa mesquita. Mas também há destruições de oliveiras (árvores antigas, algumas centenárias, com um lugar central na vida e sustento de muitas famílias palestinianas), agressões várias, ataques a tiro e com bombas incendiárias.

Na semana passada, foram demolidas duas casas no colonato de Beit El que tinham sido consideradas ilegais pelo Supremo Tribunal de Israel, lembra o Guardian – pode ter sido o motivo deste ataque.

Apesar de já haver ocasionais referências à expressão “price tag”, o movimento aparece sobretudo após a retirada dos colonatos judaicos da Faixa de Gaza, em 2005. A organização de supervisão dos colonatos B’Tselem comentou que um ataque destes deixar uma família em estado crítico com queimaduras graves e um morto – “era apenas uma questão de tempo”. Porque “se deve à política das autoridades não aplicarem a lei nos casos em que israelitas atacam palestinianos e a sua propriedade.”

Duplamente vítimas

Há muito que os palestinianos se queixam que o exército israelita na Cisjordânia nunca actua quando são os palestinianos a precisar de protecção, mesmo quando os colonos desrespeitam a lei de Israel. Pior: muitas vezes acabam por ser os palestinianos agredidos a ser vítimas do exército. Num de vários incidentes, um grupo de palestinianos decidiu dormir ao relento perto das suas oliveiras para as proteger dos colonos que andavam a queimá-las. Quando os atacantes chegaram ao local, atacaram os palestinianos (os colonos podem ter armas, os palestinianos não). O exército interveio. E deteve os palestinianos.

Os palestinianos são sujeitos à lei militar em Israel, enquanto os colonos à lei civil. O Estado israelita aumentou recentemente as penas para os palestinianos que atirem pedras com intuito de ferir: até 20 anos de prisão.

Nestes cerca de dez anos, registaram-se 11 mil incidentes de violência de colonos sobre palestinianos, diz a Organização de Libertação da Palestina. Ainda segundo a OLP, citada pelo jornal britânico The Guardian, a média de ataques de colonos a palestinianos tem sido de 12 por semana. As Nações Unidas documentaram 120. A maioria é de baixo grau de violência – mas há vários casos de bombas incendiárias em casas ou mesquitas.

Investigações são raras

Raras vezes os casos são investigados ou há condenações. Segundo a organização não-governamental israelita Yesh Din, houve recomendação de acusação apenas em 7,4% dos casos.

Foi recentemente criada uma unidade especial para estes casos – normalmente classificados como “crimes de ódio” ou “nacionalistas”. Mas desde então o número de acusações até diminuiu.

Aliás, a mudança de tom e a gravidade atribuída a este ataque pelos políticos e figuras das organizações de segurança de Israel são diferentes do habitual. Em 2014, quando o Departamento de Estado dos EUA incluiu estas acções dos colonos numa lista de acções terroristas relativas ao ano anterior, responsáveis  argumentaram que não havia comparação entre alguns “incidentes criminosos” e as outras acções descritas no relatório.

Agora a retórica mudou. Netanyahu visitou a família hospitalizada pouco antes do início do shabbath, telefonou ao Presidente da Autoridade Palestiniana Mahmoud Abbas (um contacto directo muito raro), e usou a palavra “terrorismo”.

A organização B’Tselem diz esperar mais do que palavras. “Condenações oficiais deste ataque são retórica vazia enquanto os políticos continuarem a sua política de evitar aplicar a lei a israelitas que atacam palestinianos”, diz a organização. “Já começou a contagem decrescente para o próximo ataque, e o seguinte.”

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