Cinco milhões de euros para recuperar a Sé e a memória de Lisboa
Igreja e Estado juntam-se na valorização da Igreja de Santa Maria Maior. Projecto começará por dar mais atenção ao claustro inferior e à arqueologia. Só deverá começar dentro de um “ano, ano e meio”.
Basta entrar no claustro para ver como é “um espaço cheio de lições nas pedras que sobram”. Foi assim que na tarde desta terça-feira o cardeal patriarca D. Manuel Clemente definiu a Sé de Lisboa, numa cerimónia em que, com o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, assistiu à apresentação da primeira fase do projecto de revitalização daquele que é “um dos edifícios mais simbólicos e de maior identidade do país”.
As obras deste primeira fase, que incluirão a recuperação dos claustros e a instalação do núcleo museológico, têm um custo previsto de cinco milhões de euros e uma duração aproximada de 18 meses. O que não se sabe ainda ao certo é quando vão começar nem como serão divididas as despesas.
Falando aos jornalistas no final da apresentação do projecto do arquitecto Adalberto Dias, e coordenado pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), Barreto Xavier explicou que dois milhões virão de fundos europeus e que os restantes três sairão dos cofres do Estado e da igreja portuguesa, em parcelas ainda sujeitas a negociação. A obra, essa, só deverá arrancar dentro de “um ano, ano e meio”, devido a “um conjunto de procedimentos legais necessários”, acrescentou, referindo-se à abertura dos concursos públicos internacionais que o montante envolvido na intervenção exige e aos trâmites a que a captação das verbas de Bruxelas obriga.
“Temos neste espaço um repositório único das nossas sucessivas povoações, povos e culturas”, disse D. Manuel Clemente, justificando a necessidade de investir no património da Sé com a urgência de “recuperar a memória do edifício” e, com ela, “recuperar a memória da cidade e, até, do país”. “Olho para este espaço e só consigo pensar — tanta coisa em tão pouca geografia”, acrescentou ao PÚBLICO, apontando para os vestígios arqueológicos que agora parecem quase abandonados, com informação diminuta à disposição dos muitos visitantes que, apesar de tudo, percorrem os passadiços superiores que a eles dão acesso.
A intervenção arquitectónica hoje anunciada vai devolver ao claustro inferior o seu pátio, levantado para que os arqueólogos pudessem trabalhar e pôr a descoberto os vários níveis de ocupação daquele pequeno território em que a Sé foi construída, muito provavelmente sobre uma mesquita. Também vai permitir instalar, no claustro superior, o seu arquivo. A ligação entre os dois claustros será assegurada por escada e elevador e, para que o acesso ao museu das ruínas seja mais fácil, sobretudo a pessoas com mobilidade reduzida, vai ser aberta uma porta para a Rua das Cruzes da Sé.
A intervenção mais relevante, diz Adalberto Dias, é a do claustro inferior, muito afectado pelo incêndio que se seguiu ao terramoto de 1755, que deixou a sé parcialmente destruída, depois de a torre sul ter desabado sobre a nave principal e o altar-mor.
“Vamos construir um piso a cobrir as ruínas”, explicou o arquitecto. “Será uma só laje sem apoios centrais para não interferir com as ruínas.” Quase no centro geométrico do pátio deverá ser construída uma “fonte da vida”, um espelho de água de cerca de 2,5 por 2,5 metros, que faz referência aos jardins do Antigo Testamento: “Assim, o claustro da Sé vai retomar as suas verdadeiras dimensões arquitectónicas, simbólicas e espirituais.”
Esta primeira fase faz parte de “um plano estratégico de recuperação integral da Sé de Lisboa”, disse João Carlos Santos, subdirector-geral da DGPC, e deverá “dar novo fôlego ao projecto da Rota das Catedrais”, programa de valorização do património que nasceu de um acordo de cooperação celebrado em 2012 entre o Ministério da Cultura e a Conferência Episcopal Portuguesa, a que o patriarca preside. Ao abrigo desta rota, lembrou o secretário de Estado, já se fez obra nas sés de Santarém e do Porto, estando neste momento a decorrer intervenções nas de Viseu, Guarda e Leiria.
Notícia corrigida às 12h45 de quarta-feira: a rua visível nas ruínas é romana e não medieval. Medieval é a cisterna.