Grande Prémio APE de Romance e Novela para Mário Cláudio. Outra vez
O escritor Mário Cláudio venceu o Grande Prémio de Romance e Novela com Retrato de Rapaz, anunciou a Associação Portuguesa de Escritores. É o quinto escritor a receber duas vezes tal distinção.
“Estou muito grato, mas olho para este prémio com a relatividade que a idade me dá. Os prémios são muito relativos no que se refere à qualidade de uma obra”, referiu Mário Cláudio ao PÚBLICO pouco depois de saber que ganhara o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação de Escritores (APE) com o romance Retrato de Rapaz, segundo livro de uma trilogia que se iniciou com Boa Noite, Senhor Soares e que terminou com O Fotógrafo e a Rapariga.
É a segunda vez que Mário Cláudio, Prémio Pessoa em 2004, vence o maior prémio atribuído a um romance pela APE. A primeira aconteceu em 1984, com a biografia ficcionada do pintor Amadeo Souza-Cardoso. Em Retrato de Rapaz (2014), o escritor fala da relação entre Leonardo Da Vinci e um jovem discípulo. “É um dos três ‘episódios’ da trilogia que dediquei às relações afectivas entre pessoas com idades muito distanciadas”, continuou Mário Cláudio, declarando-se feliz, mas já com a cabeça noutros projectos. Terminou uma autobiografia e está a preparar outro romance, onde volta a pegar numa personagem real para a transformar em objecto literário. “Agrada-me colocar pessoas reais com personagens fictícias, fazer na escrita um pouco o que Hugo Pratt fez genialmente com Corto Maltese”.
A trilogia dos afectos, de que faz parte Retrato de Rapaz, arrancou em 2008, com o romance Boa Noite, Senhor Soares, onde Mário Cláudio escreve sobre Bernardo Soares, o heterónimo de Fernando Pessoa, jogando com nomes que aparecem no Livro de Desassossego e escolhendo António, o rapaz do escritório com quem Soares estabelece uma relação complicada, para narrador. Ficaria concluída este ano com O Fotógrafo e a Rapariga, uma ficção sobre Lewis Carroll e Alice Lidell, a personagem que inspirou o livro Alice no País das Maravilhas. “É para mim um livro já distante”, confessa o escritor sobre o romance que o júri da APE escolheu entre um conjunto de finalistas de que faziam parte Os Memoráveis, de Lídia Jorge (D. Quixote), Cláudio e Constantino, de Luísa Costa Gomes (D. Quixote), Impunidade, de H.G. Cancela (Relógio d’Água) e No Céu Não Há Limões, de Sandro William Junqueira (Caminho).
Foi uma decisão que não reuniu unanimidade, tomada por maioria, ao fim de três reuniões. O júri do prémio – que a APE atribui com a Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas – foi presidido por José Correia Tavares e dele faziam ainda parte Ana Paula Arnaut, Miguel Miranda, Miguel Real, Isabel Cristina Mateus e Maria João Cantinho. E dividiu-se na escolha, com as duas últimas a votarem em Impunidade, de H. G. Cancela.
Com esta decisão, Mário Cláudio entra para o grupo restrito dos autores que ganharam duas vezes o prémio da APE: Vergílio Ferreira, António Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luís e Maria Gabriela Llansol.
“Li os romances de Lídia Jorge e de Luísa Costa Gomes e fizeram-me referências muito elogiosas aos outros dois. Não os li e não é por qualquer atitude sobranceira face aos mais novos”, foi dizendo Mário Cláudio, acrescentando estar atento ao que “as novas gerações escrevem”.
Natural do Porto, onde nasceu em 1941, Mário Cláudio tem uma vasta obra publicada. Poesia, teatro, ensaio e, sobretudo, ficção, com 28 romances, onde o peso da biografia é bastante significativo no modo com inspira uma escrita marcada pelos clássicos. O próximo sairá em Setembro, na D. Quixote, e é, segundo o autor, uma autobiografia. “Já estou na idade”, ironiza. Chamar-se-á Astronomia e divide-se em três partes, cada uma referente a uma fase da vida: Infância, idade adulta e velhice, o que, passando para a literatura de Mário Cláudio, corresponde aos subtítulos Nebulosa, Galáxia e Cosmos.
No próximo ano anunciam-se mais novidades. Mário Cláudio volta à realidade dos outros. “Nunca é uma decisão muito premeditada. Os temas vêm ter comigo, um pouco por acaso, e sugerem pessoas”, refere quando interrogado sobre as razões que o levam a escrever sobre protagonistas tão distantes no tempo e na geografia, tão distintos na biografia e nos interesses, mas quase sempre retiradas da história. “É o que está a acontecer com o trabalho que tenho em mãos onde uma figura da história de Portugal interage com personagens totalmente ficcionadas. Gosto desse desafio”, conclui, adiantando que não voltou a reler o Retrato de Rapaz, nem sequer teve o impulso de o folhear ao saber do prémio. “Como disse no início, já me sinto distanciado desse livro, já escrevi outras coisas. Mas fiz muitas viagens para o escrever, recolhi muita documentação e neste, como nos outros livros, procuro viver com as figuras, os protagonistas das histórias. Ele continua vivo, mas não é no que estou focado.” E sobre a releitura: “já me aconteceu folhear, fazer leituras circunstanciais, mas fico desagradado, prefiro não reler. Os livros pertencem a um tempo que é ultrapassado rapidamente para quem, como eu, está sempre a escrever.”