Primeiro-ministro da Sérvia atingido com pedras e garrafas em Srebrenica

Aleksandar Vucic foi obrigado a fugir na cerimónia do 20.º aniversário do massacre de mais oito mil muçulmanos, às mãos do exército sérvio da Bósnia. Em Belgrado fala-se em "tentativa de assassínio". A Presidência da Bósnia-Herzegovina condenou firmemente o lançamento de pedras.

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O primeiro-ministro sérvio lamentou que a sua "intenção sincera" de reconciliação não tenha sido entendida DIMITAR DILKOFF/AFP

Em comunicado, a Presidência tripartida bósnia condenou "firmemente o ataque" e lamentou o sucedido, afirmando que a presença do primeiro-ministro sérvio nas cerimónias evocativas dos 20 anos do massacre foi feita num espírito de "reconciliação e com a intenção de prestar homenagem" às vítimas.

Celebraram-se, este sábado, os 20 anos do aniversário do massacre de 8372 mil homens e rapazes bósnios-muçulmanos, às mãos do exército sérvio da Bósnia, em Potocari, perto de Srebrenica, um território que estava sob a protecção dos capacetes azuis das Nações Unidas, em 1995. Todos os anos, milhares de pessoas juntam-se no memorial, onde estão sepultadas 7100 vítimas desse massacre, para enterrar os restos mortais de mais pessoas, entretanto identificadas nas mais de 90 valas comuns que rodeiam Srebrenica, e homenagear os que ali jazem e os mais de mil que ainda não foram encontrados.

A cerimónia contou com a presença do primeiro-ministro nacionalista da Sérvia, Aleksandar Vucic, cuja presença simbólica teria como objectivo reforçar o rótulo de pró-ocidental, definido pelo próprio, e promover a reconcialiação entre dois povos desavindos. Mas a ida de Vucic a Potocari teve o efeito contrário ao desejado. Os bósnios presentes na cerimónia enfureceram-se com a presença do líder sérvio e arremessaram-lhe garrafas e pedras, provocando a sua fuga e a de toda a comitiva, de regresso para as viaturas oficiais, ao som de ruidosas vaias e insultos.

“Olhem para ele [Vucic] e olhem para todas estas sepulturas”, tinha dito, citada pela agência Reuters, Hamida Dzanovic, uma bósnia-muçulmana que estava no local para enterrar dois ossos, identificados recentemente como pertencentes ao seu marido. “Não sente vergonha por dizer que isto [o massacre] não foi um genocídio? Não sente vergonha por vir aqui?”, questionou.

A presença de Vucic em Srebrenica é polémica por vários motivos. Em primeiro lugar, porque as autoridades sérvias nunca aceitaram caracterizar o que se passou como um genocídio, considerado o mais brutal em território europeu, a seguir ao Holocausto. Como o faz, por exemplo, o Tribunal Penal Internacional de Haia (TPI) – recentemente, a Rússia, aliada histórica de Belgrado, vetou a proposta do Reino Unido, no Conselho de Segurança da ONU, para oficializar os acontecimentos de Srebrenica como genocídio.

Em segundo lugar, muitos bósnios não perdoam Vucic pelo seu passado na defesa da ideia da “Grande Sérvia”, um fictício território balcânico, de cariz ultranacionalista, sem muçulamnos. O actual primeiro-ministro fazia parte, nos anos de1990, do Partido Radical Sérivo, de Vojislav Seselj, um ex-dirigente político que está a ser julgado, pelo TPI, por crimes de guerra e contra a humanidade.

Em 1995, um jovem Vucic dirigiu-se ao parlamento e ameaçou quem pretendesse atacar o país, numa frase que se tornou célebre, pelo seu cariz anti-muçulmano e que é hoje relembrada pelo jornal The Guardian: “Venham e bombardeiem-nos, matem um sérvio e nós mataremos cem muçulmanos”.

O ministro do Interior sérvio, Nebojsa Stefanovic, disse a uma televisão que os acontecimentos de hoje podem incorrer numa “tentativa de assassínio”. E, avança a AFP, o Governo de Belgrado já exigiu, pelo mesmo motivo, "uma condenação pública" da parte das autoridades da Bósnia-Herzegovina. "Esperamos que as autoridades da Bósnia condenem publicamente esta tentativa de assassínio do primeiro-ministro sérvio", diz o comunicado que o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Sérvia enviou para Sarajevo.

Aleksandar Vucic falou depois à imprensa do seu país. O primeiro-ministro sérvio disse estar “desolado" com o que se passou e lamentou que algumas pessoas “não tenham reconhecido a intenção sincera da construção de uma amizade genuína entre sérvios e bósnios”. Revelou ainda que não ficou ferido, e acusou aqueles que lhe arremessaram pedras de terem causado os verdadeiros ferimentos do dia, “às mães e às famílias das vítimas”. Anunciou também que continuará a prosseguir a sua “política de reconciliação”.
Texto editado por Ana Gomes Ferreira
 

   


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