Apenas 10% dos condenados por violência doméstica vão para a prisão

Estudo do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa de Coimbra apresentado esta sexta-feira em Lisboa conclui que só 14% dos processos por violência doméstica resultam numa condenação.

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Como em muitos casos de violência contra ex-companheiras, o acusado não aguentou a separação Manuel Roberto

Mais: nas condenações, as penas suspensas superaram em muito as penas de prisão efectiva, conclui ainda o estudo Avaliação das decisões judiciais em matéria de violência doméstica. Assim, o condenado fica muito mais vezes em liberdade, e isso suscita dúvidas sobre os perigos para a vítima, apesar de alterações legislativas recentes passarem a prever que uma pena suspensa deve ser acompanhada de medidas da sua protecção.

As intervenções na sessão promovida Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), para a apresentação de estudos científicos sobre a aplicação de decisões judiciais em casos de violência doméstica (do CES) ou de homicídio conjugal (da Escola de Criminologia da Faculdade de Direito do Porto), não se centraram tanto na protecção da vítima durante esse tempo em que o agressor fica em liberdade e a vítima exposta a ameaças ou novas agressões, mas na forma de melhorar a obtenção de prova, na investigação criminal.

Seria essa uma das formas de libertar a vítima do peso de ser ela o elemento central da prova e, muitas vezes, apontada como responsável pelos muitos arquivamentos, as poucas acusações e as muito poucas condenações – por se recusar, por exemplo, a depor em tribunal.

As apresentações dos estudos científicos estiveram, de forma geral, em linha com a percepção de que o decisor judicial se esquece “frequentemente” da vítima e de que “as penas são em regra leves”, nas palavras da secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, Teresa Morais, que abriu a sessão no auditório novo da Assembleia da República.

Para Cândido Agra, professor da Escola de Criminologia da Faculdade de Direito do Porto e coordenador científico do segundo estudo apresentado na sessão, "é preciso prever para prevenir o crime". E para tal, é necessário conhecer as motivações do agressor. “Os agentes destes crimes formam uma convicção de que é justo e legítimo pôr fim à vida da sua companheira. Depois há todo um processo de passagem ao acto”, explicou Cândido Agra que citou estudos académicos internacionais.

Quase 91% dos condenados são homens e quase 40% das situações tiveram como motivação a não aceitação do fim da relação, concluiu o seu estudo Avaliação das decisões judiciais em matéria de homicídios conjugais que analisou 197 decisões judiciais proferidas entre 2007 e 2012.

Outro resultado: “É no primeiro ano da relação conjugal que acontece a tragédia, na maioria dos casos”, afirmou. Em 39% das situações, o crime ocorre nos primeiros cinco anos da relação, e em particular no primeiro ano, existindo também “uma concentração do acto em relações com mais de 15 anos” (em 35,6% dos casos).

Teresa Morais valorizou o “investimento no conhecimento”, através destes dois estudos, para melhor atingir os objectivos de formar as pessoas envolvidas na prevenção deste fenómeno e de aumentar “a eficácia na prevenção”.

A procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, concordou. Mas acrescentou que “proporia outros estudos”, além destes: “Estudos que nos dessem mais elementos no sentido de perceber quais são os procedimentos na investigação criminal adequados para que a prova seja efectivamente recolhida e válida em julgamento”, declarou, salientando que existe “uma tentativa de adaptar a organização do Ministério Público a uma melhor resposta a esta problemática”.

Na apresentação do estudo do CES, a investigadora Paula Fernando lembrou que, em caso de ida a julgamento, os processos podem durar mais de dois anos e considerou que, no caso dos arquivamentos, o “curto período de tempo” entre uma queixa e a decisão judicial (sendo na maioria dos casos inferior a três meses) “denuncia um desinvestimento na procura de outras provas na situação de não colaboração da vítima”. Tal acontece sobretudo “nos casos em que a vítima se recusa a prestar declarações”, lê-se no estudo.

 “A vítima é silenciosa. Mas ela também fala”, disse por sua vez a magistrada do Ministério Público Helena Gonçalves, em representação da Procuradoria-Geral da República. E quando não o faz, é preciso “ver a causa”. “Será que é a pressão familiar? A vergonha de revelar a sua situação?”

Não é apenas a postura da vítima que explica o baixo número de condenações, considerou a magistrada. “O processo penal não tem na vítima o centro da sua atenção”, disse. “Estamos no bom caminho” no que respeita “às técnicas de investigação”. Mas acrescentou: “É preciso assegurar que as coisas estão a ser feitas com qualidade” e que existem “condições para tratar a vítima com dignidade”.

Como Helena Gonçalves, também Teresa Féria, juíza desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa, discordou da ideia de que “o processo penal tem na vítima o centro da sua atenção”. Em representação do Conselho Superior da Magistratura, concluiu: “O objecto central é a tensão entre os direitos do arguido e os direitos da vítima.”

 

 

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