Neeleman é minoritário no consórcio vencedor da TAP mas tem mais poder

Dono da Azul entra com 214 milhões e o sócio português, que tem 51% do capital, com 12 milhões. Neeleman fica com 75% dos lucros e peso reforçado na gestão.

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Humberto Pedrosa e David Neelman assinaram o contrato de compra no passado dia 24 de Junho Rui gaudêncio

O acordo, que foi registado na conservatória a 19 de Junho (cinco dias antes da assinatura do contrato de compra com o Estado), divide os accionistas do consórcio em dois tipos: os titulares de acções ordinárias e os titulares de acções de categoria A. Neste primeiro documento, não se explicita a quem pertencem as acções. Só numa alteração ao contrato, que chegou à conservatória dois dias depois, é que se assume que as primeiras são controladas por Humberto Pedrosa e as segundas por David Neeleman.

As principais diferenças entre as obrigações e os direitos que acarretam mostram que o dono da Azul tem um papel preponderante neste consórcio. A começar pelo facto de o contrato estabelecer que os titulares de acções da categoria A, ou seja a holding de David Neeleman, “ficam obrigados à realização de prestações acessórias [injecção de capital], em dinheiro, até ao montante de 214,5 milhões de euros”. Já os titulares de acções ordinárias, Humberto Pedrosa, terão apenas de despender até 12 milhões de euros.

Se a estrutura de capital tivesse uma correspondência directa à proporção de dinheiro a injectar por cada um dos accionistas, o dono da Azul teria direito a 95% do consórcio e o seu sócio português a apenas 5%. Mas, tendo por base apenas o número de acções, Humberto Pedrosa é maioritário, com uma participação de 51%, como sempre foi anunciado.

Porém, a diferente tipologia das acções detidas pelos dois empresários também significa um tratamento diferente ao nível das regalias que poderão obter com a compra da transportadora aérea portuguesa. Os estatutos têm um artigo dedicado aos “direitos especiais das acções da categoria A”, que conferem a Neeleman “74,47% dos lucros que sejam distribuídos”, bem como “74,74% de todos os bens distribuídos em caso de liquidação” da sociedade. Uma percentagem muito superior aos 49% que o dono da Azul detém no consórcio Atlantic Gateway.

Mais controlo sobre a gestão
Mas há outros pontos dos estatutos do consórcio que geram dúvidas, nomeadamente no que diz respeito às decisões que podem ser tomadas por maioria simples ou qualificada. Por exemplo, a distribuição de dividendos ou concessão e reembolso de prestações acessórias só podem ser aprovadas por “60% dos votos representativos do capital social com direito de voto”. Ou seja, Pedrosa, que detém 51%, não pode tomar essas decisões sozinho.

Por outro lado, a primeira versão deste acordo estabelecia que o conselho de administração seria composto por nove elementos (cinco a nomear pelo accionista maioritário, o empresário português, e quatro a designar por Neeleman). No entanto, os cinco nomes indicados por Pedrosa não chegariam para tomar um conjunto de decisões importantes, já que o documento prevê que um conjunto de deliberações só possam ser aprovadas “com o voto favorável de sete dos membros do conselho de administração”.

De entre essas deliberações encontram-se a nomeação de novos administradores para o grupo TAP, a aprovação de empréstimos, alterações relativas a políticas internas, decisões sobre investimentos, a celebração de parcerias, bem como a aquisição ou venda de activos e a transmissão de acções. Ou seja, todos os actos de relevo na gestão da transportadora aérea e das suas subsidiárias.

Esta era, porém, a configuração do conselho de administração no contrato que foi registado na conservatória a 19 de Junho e que, 48 horas depois, viria a ser alterado. A grande mudança foi precisamente o facto de Neeleman e Pedrosa terem decidido que, em vez de nove, a equipa de gestão poderia ser composta por apenas cinco administradores. E, neste caso, as decisões passam a ter de ser aprovadas por três elementos.

Na acta que acompanha o novo contrato, refere-se que o sócio português afirmou, “atendendo ao facto de a sociedade, até à efectiva aquisição de uma participação social da TAP, esperar que as matérias relacionadas com a sua administração [do consórcio que venceu a privatização] não exijam um conselho de administração de nove membros”, propondo que se reduzisse “o mínimo para cinco”.

Perante estas considerações, “foi unanimemente deliberado diminuir o número mínimo de administradores (...) durante o período transitório, podendo tal número passar a nove em qualquer momento, após a assinatura do contrato, mas sempre antes da aquisição” da companhia de aviação. Ou seja, nessa altura a equipa de gestão passará a ter nove pessoas, com a tal exigência de que as decisões sejam sempre aprovadas por sete.

O PÚBLICO questionou o consórcio Atlantic Gateway sobre o facto de as regras estabelecidas no contrato conferirem mais obrigações financeiras e direitos a David Neeleman, pedindo esclarecimentos sobre se este facto não colide com as regras da União Europeia, que impedem que investidores não-europeus controlem companhias de aviação do espaço comunitário. O dono da Azul tem nacionalidade norte-americana e brasileira e foi por esse motivo que teve de se aliar a Pedrosa. Em resposta, fonte oficial do consórcio referiu: “Cumprimos as regras europeias”.

Administradores já nomeados
É nesta alteração ao contrato da sociedade que o consórcio avança já com a nomeação dos cinco administradores, que, de acordo com o equilíbrio de forças em termos de capital, deveriam ser divididos da seguinte forma: três designados por Humberto Pedrosa e dois por David Neeleman. E, na acta que acompanha o contrato, é precisamente esse o raciocínio.

“Considerando que é fundamental garantir o cumprimento de todas as normas regulatórias aplicáveis ao sector do transporte aéreo, deve ser garantido que a HPGB [a holding de Pedrosa] (...) designe a maioria dos membros do conselho de administração”, lê-se no documento. De seguida, o sócio português apresenta uma proposta de nomeação de três gestores: ele próprio, David Pedrosa (seu filho) e Abílio Martins.

É este último nome que causa surpresa, já que a sua ligação ao consórcio começou quando Neeleman o contratou como assessor de comunicação – cargo que ocupa, pelo menos, desde Abril deste ano. Nessa altura, ainda Pedrosa estava associado a Miguel Pais do Amaral na corrida pela TAP. O empresário português só viria a aliar-se ao dono da Azul pouco tempo antes da entrega de propostas vinculativas pela transportadora aérea, o que aconteceu a 15 de Maio.

Sobre esta matéria, fonte oficial do consórcio explicou que “na data da conclusão da transacção, a empresa terá nove administradores conforme previsto na proposta apresentada ao Estado, pelo que neste momento a composição do conselho ainda não é determinante na medida em que a sociedade Atlantic Gateway ainda não é detentora do capital social da TAP”.

Questionada sobre as ligações de Abílio Martins, que teve diferentes cargos de administração no grupo PT e acompanhou Zeinal Bava quando este foi escolhido para presidente da Oi, a mesma fonte reforçou que “três dos cinco administradores foram designados pela holding de Humberto Pedrosa e dois pela holding de David Neeleman”, acrescentando que “nada está ainda decidido” relativamente à passagem destes elementos da administração do consórcio directamente para a gestão da TAP.

Todos estes pontos do contrato da sociedade serão analisados ao detalhe pela Comissão Europeia, sobretudo agora que a eurodeputada Ana Gomes fez uma queixa formal a Bruxelas sobre a venda da companhia de aviação. Também Germán Efromovich, o candidato preterido pelo Governo, conta entregar uma exposição sobre o tema às instâncias europeias no início da próxima semana. Sobre estas queixas, fonte oficial da Atlantic Gateway afirmou que “não tem conhecimento de qualquer queixa na Comissão Europeia”. A venda da TAP só se fará com o aval de Bruxelas, nomeadamente da Direcção-Geral da Concorrência e da Direcção-Geral dos Transportes.

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