Duas cerimónias, dois avalistas
Nem sempre o que parece é. Dois eventos tão diferentes tratam da mesma coisa: as presidenciais
Às vezes há acontecimentos que parecem desligados, mas quando se olha bem para o seu significado acaba por se concluir que, afinal, há uma espécie de guião que as coloca na mesma linha de acção. À superfície, tudo pode divergir – personagens, espaço físico e até falta de coincidência temporal, mas deixar-se enganar pelas aparências é caminho seguro para a superficialidade.
Ontem, à hora de almoço, no Porto, e ao fim da tarde, em Lisboa, dois eventos muito diferentes tinham como pano de fundo um mesmo objectivo: eleições presidenciais. Mas vamos por partes. Na estrada desde Março, Sampaio da Nóvoa foi ao Porto fazer um almoço com apoiantes da sua candidatura a Belém. Certamente preocupado com sondagens que o dão como sendo ainda relativamente desconhecido dos portugueses, o ex-reitor da Universidade de Lisboa levou consigo o general Ramalho Eanes, cujo prestígio e notoriedade fazem dele um dos avalistas mais desejados da vida política portuguesa. O que não deixa de ser singular à luz de uma carreira política marcada pela polémica, em que conseguiu zangar-se com Sá Carneiro e Mário Soares; fundar um partido político para regenerar o país, mas que acabou por se dissolver em lutas intestinas; e sair da Presidência esmagado pelo peso de todas as controvérsias e até inimizades acumuladas por dez anos de mandato. Poucos lhe auguravam a recuperação do prestígio perdido, mas Eanes renasceu. Fez um doutoramento, recusou ser marechal, rejeitou mais de um milhão de euros de retroactivos de uma pensão que não lhe foi paga indevidamente, geriu silêncios e manteve uma conduta ética e cívica exemplar quando tantos cederam à venalidade. Goste-se ou não, Eanes é hoje uma “marca” de confiança reconhecida pelos portugueses e a sua presença junto de Sampaio da Nóvoa pretende funcionar como uma espécie de garantia para um eleitorado que (ainda) não reconhece o candidato.
O acontecimento de Lisboa foi o lançamento do livro de Miguel Relvas. É a forma de o todo o poderoso ex-ministro de Passos Coelho, caído em desgraça por causa de uma licenciatura pouco ortodoxa, tratar da sua reabilitação e mostrar que está longe de poder ser considerado politicamente morto. Irá fazê-lo devagar e por alguma “causa” que mereça a pena. Como uma certa candidatura presidencial que talvez esteja enterrada por agora, mas que pode ser desenterrada a qualquer momento. Talvez isto explique a misteriosa razão pela qual o sempre calculista Durão Barroso se dispôs a abandonar o seu pedestal de ex-presidente da União Europeia para fazer o papel de apresentador de serviço. Os elogios aos “homens do aparelho” (…) “os que melhor conhecem o país” deixam pouca margem para dúvidas. Relvas foi essencial na ascensão de Durão no partido e será decisivo para voos futuros. O amigo compensa-o agora, avalizando o seu regresso à política.