Concessão do Oceanário tem de promover a “cultura do mar”

Estrutura nascida na Expo-98 vai ser explorada pela Sociedade Francisco Manuel dos Santos. Peritos esperam que mantenha os grandes eixos de educação e de aproximação do mar à sociedade.

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O peixe-lua no aquário principal do Oceanário Daniel Rocha
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O que se vive no Oceanário de Lisboa é fruto de uma pesquisa “mais experimental e mais emocional ou poética, do que arquitectónica ou mesmo científica”, explicou Peter Chermayeff, o arquitecto americano autor deste edifício, citado pelo biólogo Mário Ruivo, ex-professor catedrático da Universidade do Porto, que foi consultor científico da Expo 98, num texto de introdução do livro Peter Chermayeff, Oceanário de Lisboa de 1998. A estratégia parece ser eficaz.

“O Oceanário foi construído tendo em conta os objectivos da Expo 98 que pretendia promover para a opinião pública que o oceano estava a entrar numa nova fase e que se abria para o futuro da humanidade uma componente do nosso planeta de grande valor”, explica Mário Ruivo, que durante décadas pensou e pensa as questões sobre o mar. “O objectivo do Oceanário, hoje considerado um dos melhores do mundo, era de assegurar a sensibilização dos cidadãos e da opinião pública, a importância do mar e a importância de gerir o mar com base científica, respeitando a qualidade ambiental e os interesses das futuras gerações.”

Mário Ruivo defende que estes objectivos foram cumpridos nos 17 anos de história da instituição. Segundo vários peritos que o PÚBLICO ouviu, estas funções de divulgação e educativa são vitais, sobretudo numa altura em que o muito provável alargamento da plataforma costeira vai fazer com que 97% de Portugal seja oceano, e que o discurso político promove a aposta no mar. Por isso, a concessão da gestão do Oceanário surpreendeu muitos, principalmente quando a instituição é lucrativa (em 2014 gerou lucros de 1,49 milhões de euros).

Hoje, esta concessão será aprovada em Conselho de Ministros, como previsto pelo ministro da tutela, Jorge Moreira da Silva. A operação passa pela privatização da empresa Oceanário de Lisboa, a qual detém a concessão por 30 anos do equipamento com o mesmo nome. No respectivo diploma das bases de concessão, o Governo refere tratar-se da concessão de um serviço público e estabelece como deveres a gestão do equipamento como aquário público, a promoção de educação e literacia azul e de conservação dos oceanos.

Segundo o Ministério do Ambiente, o encaixe financeiro da alienação das acções foi de 24 milhões de euros, a que acresce o valor da concessão do equipamento por 30 anos, um montante que não divulgou até agora. A sociedade Francisco Manuel dos Santos, maior accionista do dono do Pingo Doce, foi a vencedora do concurso de privatização/concessão e vai gerir o Oceanário através de uma nova fundação, a Fundação Oceano Azul.

“O regime de concessão deve acautelar ao máximo a responsabilidade social pública que o Oceanário vinha assumindo e deve continuar o eixo educativo, porque essa é a questão fundamental”, diz por sua vez Álvaro Garrido, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, que foi director do Museu Marítimo de Ílhavo e agora é consultor do museu, que diz não conhecer o caderno de encargos.

“Tenho muita dificuldade em compreender como é que um equipamento destes pode ser privatizado. Sou radicalmente contra”, defende o investigador, apontando que o discurso político de promoção do mar “não tem uma tradução cultural nem espessura educativa, e instituições como o Oceanário têm feito isto, no privado não sei se [este trabalho] vai continuar”.

Instituição de bandeira

De acordo com o Conselho Internacional de Museus (ICOM, sigla em inglês), um museu é “uma instituição permanente não lucrativa, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e exibe a herança tangível e intangível da humanidade e o seu ambiente, através da edução, do estudo e do divertimento”.

Apesar de o Oceanário não pertencer ao ICOM nem estar dentro da ideia canónica de um museu, Luís Raposo, vice-presidente da ICOM Europa e arqueólogo do Museu Nacional de Arqueologia, defende que aquela é uma instituição que se enquadra neste conceito. “A minha impressão é que o Oceanário é muito afim a um museu”, defende, apontando para o seu lado divulgador e educacional nos assuntos do mar.

Para o arqueólogo, instituições como o Museu Nacional de Arte Antiga ou o Oceanário são “quase instituições de bandeira”, diz. “Parece-me impensável que sejam privatizados ou concessionados os grandes museus nacionais com os tesouros do país.” O perito espera que a concessão não atire o Oceanário para o mundo dos parques temáticos, com o objectivo estritamente lucrativo. “Não é necessário que seja assim. É preciso conhecer o caderno de encargos”, refere. “Tem de se acautelar o interesse público.”

O edifício do Oceanário é uma espécie de paralelepípedo. Além do enorme aquário central que ocupa o interior, nos cantos estão aquários mais pequenos que representam os oceanos Atlântico, Pacífico, Índico e Árctico. Podem-se ver lontras, pinguins, estrelas-do-mar, anémonas, bacalhaus, polvos, peixes de muitas cores. Mas o conceito tutelar da exposição é que existe apenas um grande e único oceano em toda a Terra, e é preciso conservá-lo.

No piso superior do edifício, uma pequena sala dá alguma informação. “Mais de 40% dos oceanos do planeta estão sujeitos a um impacto humano elevado, restam muito poucas áreas intocadas”, lê-se. Ao mesmo tempo, ouve-se a voz de Carl Sagan, num dos episódios da série original do Cosmos, a lembrar que, muito provavelmente, ninguém virá salvar o nosso planeta azul.

“O oceanário começa por mostrar a diversidade e a complexidade da vida marinha e ao mesmo tempo a diversidade ligada às regiões oceânicas. O oceano está sob pressão das sociedades humanas e dos sectores económicos baseados no mar e requer uma gestão com base no conhecimento científico e técnico que assegure que os seus recursos e funções são mantidos através dos ecossistemas”, explica Mário Ruivo. “Quando olhava para o futuro [do Oceanário], acho que [ele] poderia continuar a ser um instrumento auto-suficiente ao serviço da cultura do mar, de uma política do mar nacional e não sujeita a outras oscilações”, refere ainda, preferindo não comentar o tema da concessão.  

Nas paredes que vão dar ao grande aquário, aqui e ali, há partes de poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen. Os versos de As ilhas III, parecem especialmente apropriados: “Aqui desceram as âncoras escuras/ daqueles que vieram procurando/ o rosto real de todas as figuras/ e ousaram – aventura mais incrível –/ viver a inteireza do possível.”  

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