UE não altera tratados antes do referendo no Reino Unido
Primeiro-ministro britânico admite que o país vai escolher entre ficar ou sair da União Europeia sem que as propostas apresentadas pelo seu governo sejam ratificadas.
Reunido em Bruxelas entre quinta e sexta-feira, o Conselho Europeu tem entre mãos dois dos temas mais importantes para o futuro da UE tal como a conhecemos, sem avanços significativos.
Um desses temas tem como pano de fundo a possível saída do Reino Unido do bloco europeu até ao final de 2017. Depois de se ter comprometido em casa com a realização de um referendo que pode levar ao fim de um casamento de 43 anos com a UE, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, transmitiu aos outros líderes europeus as suas exigências para que a relação continue a ter pernas para andar.
Nada do que Cameron disse aos seus colegas no jantar de trabalho de quinta-feira foi uma novidade, já que o primeiro-ministro britânico teve reuniões com vários dirigentes europeus nas últimas semanas para explicar as exigências de Londres (ou a proposta de reforma das relações entre o Reino Unido e a UE, como se diz em linguagem diplomática).
Mas é impossível passar ao lado do momento em que um chefe de governo de um país da UE leva ao Conselho Europeu a discussão sobre a possibilidade de abandonar o grupo – principalmente quando essa discussão envolve Alexis Tsipras, primeiro-ministro de um país que pode ter a permanência na UE em causa contra a sua vontade.
Quanto às exigências, elas também já eram conhecidas publicamente, embora Cameron continue a evitar detalhá-las – os analistas dizem que falar demais pode deixar o primeiro-ministro nas mãos dos eurocépticos britânicos, que não lhe perdoariam o insucesso de alguma dessas exigências.
O governo de Cameron (legitimado pela reeleição de 7 de Maio e acossado pelo crescimento dos nacionalistas do UKIP nos anos mais recentes) quer mudar algumas regras na sua relação com a UE, e com isso controlar os ânimos dos mais eurocépticos entre os eurocépticos.
Sem se conhecerem os detalhes, sabe-se que as regras que Londres quer mudar são quatro: mais soberania nacional, salvaguardas em relação à zona euro, controlo da imigração e crescimento económico.
As políticas de promoção do crescimento na UE contam com o apoio de vários países, que partilham com o Reino Unido a ideia de que a Europa pode fazer mais para não perder a corrida com os EUA e com a Ásia em vários sectores da economia. Mais difícil é a questão da zona euro – o Reino Unido quer garantias de salvaguarda em relação ao que acontece na zona euro, da qual não faz parte, numa medida que visa proteger a City de Londres.
Questões ainda mais complicadas são a soberania e a imigração, em particular a determinação do governo britânico em cortar prestações sociais atribuídas a outros cidadãos da UE e limitar a liberdade de circulação.
Numa resposta antecipada à lista de exigências que David Cameron apresentou durante o jantar de trabalho, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, traçou uma linha vermelha: "O nosso colega britânico, o primeiro-ministro David Cameron, vai partilhar connosco os seus planos para o referendo. Há algumas preocupações que devemos analisar, mas apenas se forem seguras para toda a Europa. Hoje daremos apenas início ao processo. No entanto, devemos deixar algo muito claro desde o início: os valores fundamentais da UE não estão à venda e, portanto, não são negociáveis."
Numa conversa que decorreu quinta-feira de manhã, o primeiro-ministro português deixou a mesma ideia. Passos Coelho mostrou "espírito de abertura" em relação às propostas britânicas, mas deixou claro que há linhas vermelhas na posição portuguesa, nomeadamente quanto à liberdade de circulação.
Referendo sem tratados
Talvez por isso, a BBC avançou ao final da tarde que o primeiro-ministro britânico está disposto a deixar cair a ideia de ver essas propostas inscritas nos tratados da UE antes da realização do referendo, contentando-se com expressões como "legalmente vinculativas" ou "irreversivelmente acordadas" – algo que deixou deputados do seu próprio partido de pé atrás.
"Não devemos nunca confiar no que a UE diz. Eles mudam de ideia mais vezes do que eu mudo de camisa, e eu mudo de camisa muitas vezes", disse à BBC o deputado John Redwood, um conhecido eurocéptico que fez parte do governo de John Major, na década de 1990.
O que David Cameron conseguiu na quinta-feira à noite foi dar o tiro de partida para as discussões, o que não é pouco quando se está a falar da possibilidade de um dos mais importantes países da UE passar a ser tratado com um ex-membro dentro dos próximos dois anos. Os chefes de Estado e de Governo comprometeram-se a estudar as propostas e a fazer um ponto da situação daqui a seis meses, como se pode ler nas duas frases dedicadas ao tema no rascunho da declaração final do Conselho Europeu: "O primeiro-ministro do Reino Unido apresentou os seus planos para o referendo. O Conselho Europeu concordou em voltar a discutir o assunto em Dezembro."
Prioridade é conter imigração
Entre quinta e sexta-feira, os chefes de Estado e de Governo da UE debatem também a questão mais abrangente da imigração, que tem preocupado em particular países como Itália, que exige mais solidariedade aos parceiros europeus para lidar com as centenas de milhares de pessoas que atravessam todos os anos o Mediterrâneo em condições deploráveis, em fuga da pobreza extrema, da perseguição política e de guerras.
Também já se sabia que os países da UE não aceitam receber de forma proporcional as dezenas de milhares de pessoas que ficam à entrada de Itália ou da Grécia. Restam a vontade e as condições que cada governo considera ter para ajudar de forma voluntária, mas ficou claro que por agora a prioridade é travar a chegada de imigrantes.
"Não tenho dúvidas de que vai ser preciso muito tempo para construirmos um novo consenso europeu sobre a imigração", disse o presidente do Conselho Europeu. "Em primeiro lugar, temos de conter a imigração ilegal. Espero que o Conselho Europeu envie uma mensagem forte. Quem não procurar asilo de forma legítima, não terá quaisquer garantias de que poderá ficar na Europa. Só com esta mensagem poderemos fazer verdadeiros progressos para a relocalização [de imigrantes] de Itália e da Grécia."
Donald Tusk deixou ainda um aviso aos países que defendem a partilha de ajuda de forma voluntária: "Compreendo os que defendem um mecanismo voluntário, mas só terão credibilidade se se comprometerem de forma precisa e significativa até ao fim de Julho, porque solidariedade sem sacrifício é pura hipocrisia. Não precisamos de declarações vazias sobre solidariedade, apenas acções e números."