Quem são os alunos com ordem para entregar os certificados?
Têm sido contactados pela Lusófona para entregar diplomas. E mostram-se surpreendidos. “Nunca me passou pela cabeça que as coisas não estivessem bem.” Há quem já tenha arranjado um advogado.
Outro ex-aluno da Lusófona que aparece na lista dos que estão em situação idêntica é João Salgueiro, presidente da Câmara de Porto de Mós (PS). Mas este garante não ter recebido “qualquer creditação” da universidade, porque lá não se licenciou — diz que concluiu apenas uma especialização em Ciências do Ambiente, “para a qual não houve qualquer creditação curricular”.
André Gomes, que foi durante dez anos comandante da Polícia Municipal em Lisboa, e possui uma folha de serviços com várias condecorações e louvores das forças de segurança, também recebeu recentemente uma carta da universidade a pedir-lhe para entregar o diploma de Estudos de Segurança. “Nunca me passou pela cabeça que as coisas não estivessem bem”, diz. Este subintendente da PSP garante que para a sua carreira já não precisava da licenciatura, fê-lo, como outros que conhece, “por carolice”.
Já o advogado José Carlos Valério, que representa “mais de 10 ex-alunos” do curso de Estudos de Segurança, a quem foi igualmente pedido que entregassem os certificados, afirma: “Sobre a declaração da nulidade dos certificados, a universidade vai ter que responder por ela” porque os seus representantes “agiram de boa-fé”. Lamenta nomeadamente a divulgação dos nomes dos ex-estudantes. Diz que aguardam desenvolvimentos.
“Não preciso da licenciatura”
Mas vamos por partes: só no curso frequentado por Nuno da Câmara Pereira, Engenharia do Ambiente, foram 14 os ex-alunos em que foram detectadas irregularidades na forma como a Lusófona geriu os processos de atribuição de créditos.
“Durante anos tinha sido uma reivindicação dos regentes agrícolas” a possibilidade de aceder ao ensino superior, recorda ao PÚBLICO o fadista e ex-deputado (eleito pelo PSD). “Até que o ministro Mariano Gago [em 2008] aprovou um diploma que abria a porta dos regentes agrícolas ao ensino superior.” Esse diploma legal dava aos equiparados a bacharéis o direito de prosseguirem estudos e de verem reconhecida para esse efeito a sua experiência profissional, mediante a atribuição de créditos que lhes permitiriam ter equivalências. Era o seu caso.
Câmara Pereira e outros 17 regentes agrícolas — todos com experiência, sublinha, e, no seu caso, com um passado na suinicultura, na hortofruticultura, nos quadros do Ministério da Agricultura... — dirigiram-se à Lusófona. Os processos foram analisados. E tal como lhe foi proposto, recebeu créditos, frequentou um curso de especialização em Ambiente e algumas cadeiras no plano de estudos da licenciatura de Engenharia do Ambiente. “Cheguei a ter de repetir cadeiras porque chumbei a uma ou duas, nos exames.”
Certo é que em Novembro de 2012, estava licenciado (segundo o seu processo tinha-se matriculado na licenciatura em Fevereiro) e não se conforma com isto de ver o seu nome numa lista de alunos cujos processos foram declarados nulos. “O absurdo é que o Ministério da Educação que tutela as universidades devia fiscalizar no tempo próprio, não é três anos depois. Só há uns 2 meses fomos chamados à universidade que nos disse que havia um problema e que o ministério os obrigava a anular o curso.”
E continua: “Isto põe em causa a nossa respeitabilidade, o nosso profissionalismo.” Lembra que tem 64 anos: “Não preciso da licenciatura para nada.” Fê-la por gosto.
O caso dos regentes
O chamado “processo Lusófona” que culminou com o ministério de Nuno Crato a mandar a universidade declarar nulos 152 certificados e diplomas, por irregularidades na atribuição de créditos, foi consultado na segunda-feira pelos jornalistas, em Lisboa. Face aos muitos pedidos que recebera nos últimos meses, a IGEC tinha dúvidas sobre se deveria facultar “a identificação nominal dos visados”. E pediu um parecer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA). Mas esta considerou que documentos com “apreciações e juízos de valor emitidos no âmbito do percurso escolar dos alunos” não constituem “informação nominativa” — e logo salvaguardada pela reserva da vida privada.
As múltiplas pastas do processo estão preenchidas por relatórios, despachos e respostas da universidade ao ministérios — com datas que remontam a 2012 quando estoirou o “caso” Relvas, o aluno mais famoso da Lusófona (ver cronologia).
O reconhecimento e creditação de competências está previsto na lei há vários anos e, até 2013, não havia qualquer limite ao número de créditos que as universidades podiam atribuir depois de avaliar o percurso académico e profissional dos seus candidatos. Mas havia — e há — regras.
É no curso de Estudos de Segurança que há mais processos onde foram detectadas irregularidades na atribuição de créditos (47). Engenharia do Ambiente também tem um número considerável: 14. Muitos são detentores do curso de regentes agrícolas, que entraram ao abrigo de um processo com características especiais. Em 2008, depois do despacho de Mariano Gago, o director da Faculdade de Engenharia e Ciências Naturais da Lusófona elaborou um documento intitulado “Reconhecimento da Experiência Profissional e da Formação dos Alunos Habilitados com o curso de Regentes Agrícolas”. Propunha-se que fossa reconhecida a formação académica e profissional destes bacharéis através da atribuição de até 125 créditos. O reitor autorização a frequência do plano de estudos para esses candidatos num despacho ainda de 2008.
Houve depois uma proposta de alteração do director da Comissão Científica do curso que aumentava o limite de créditos que podiam ser atribuídos para 130 (para uma licenciatura são necessários, em regra, 180). A IGEC não encontrou a autorização do reitor a essa proposta. Mas vários candidatos acabaram mesmo por ter mais do que 125.
Para além disso, vários deles só apresentaram candidatura à licenciatura Engenharia do Ambiente depois de 2011, porque antes ainda fizeram, também na Lusófona, um curso de Ciências do Ambiente para regentes agrícolas. Resultado: quando foram para a licenciatura de Engenharia do Ambiente, esta já tinha um plano de estudos que entretanto havia sido alterado. “Os percursos académicos efectuados e registados na certificação emitida no âmbito do curso de Engenharia do Ambiente não se encontram de acordo com os planos de curso em vigor”, conclui a IGEC que pede a declaração de nulidade destes processos. Incluindo o de Câmara Pereira.
E também o do presidente da Câmara de Porto de Mós, que a IGEC considera que não podia sequer ter recebido créditos ao abrigo deste regime. Contactado pelo PÚBLICO João Salgueiro contesta, numa nota escrita onde esclarece: “O aluno frequentou a universidade durante dois anos, tendo concluído a especialização em Ciências do Ambiente, para a qual não houve qualquer creditação curricular. A conclusão da especialização decorreu das avaliações com classificação igual ou superior a 10 valores, das disciplinas leccionadas durante quatro semestres. A situação referente à anulação da creditação diz respeito, apenas, ao grau de licenciatura, caso que não se verifica na situação académica do aluno em causa que ainda não obteve o grau de licenciatura, de modo que não seria possível usufruir de qualquer creditação curricular.” Acrescenta que tudo isto foi esclarecido numa audiência com a Universidade Lusófona.
Aos alunos visados a universidade está a propor a reinstrução de processos. André Gomes, que se aposentou este ano, é dos que nem se importa de fazer novas unidades curriculares se for caso disso. Está “de consciência tranquila”. Teve uma carreira com cargos de chefia. Já tinha feito cadeiras na Universidade Lusíada antes de ir para a Lusófona. Aqui fez as cadeiras que lhe disseram para fazer, em regime nocturno, licenciou-se em 2011. Só mudou porque as propinas eram mais baratas: “A Lusófona tinha um protocolo com a PSP.”
Nesta terça-feira a Universidade Lusófona emitiu um comunicado onde garante: “A fase de reinstrução de processos está em curso e é completamente individualizada, dependendo a sua conclusão da situação concreta de cada aluno. Concluída a reinstrução, aplica-se a estes processos, de acordo com o definido no código do processo administrativo, o princípio da retroactividade, produzindo os actos presentes efeitos sobre o momento passado – momento em que foi declarada a nulidade. Ou seja, da reinstrução administrativa do processo não resulta para o visado qualquer tipo de lesa.”