No governo e nas ruas da Grécia, há poucos compradores para o plano de Tsipras
Extrema-esquerda, empresários e reformados criticam propostas do Governo grego. O plano deverá ser levado este fim-de-semana ao Parlamento.
Enquanto na véspera, em Bruxelas, havia regozijo pelas "primeiras propostas reais" gregas desde há semanas (presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk) ou pela "boa base de trabalho (chanceler alemã, Angela Merkel), em Atenas começava um ribombar de críticas ao plano que assenta muito num aumento de impostos (ainda que sobretudo para empresas e para os mais ricos), e que dificilmente tem espaço para crescimento, como pretendia o Governo.
As primeiras palavras críticas vieram de figuras da ala mais à esquerda do Syriza, o partido do primeiro-ministro, Alexis Tsipras. O deputado Yannis Michelogiannakis descreveu o plano como "uma sepultura" para o país. "Como se pode fazer um acordo que aumente os suicídios e torne as pessoas mais pobres?", comentou na televisão ainda na segunda-feira à noite.
Michelogiannakis é um dos deputados independentes do Syriza – mas há ainda a conhecida Plataforma de Esquerda, que junta cerca de 40 deputados entre os 149 do Syriza. A votação poderá fazer-se já no fim-de-semana, mas está longe de ser claro se o partido se dividirá, ou quão significativa poderá ser a rebelião. Analistas diziam que será difícil ao Governo aprovar legislação sem perdas, mas que os deputados mais à esquerda poderão ser convencidos com o facto de os impostos crescerem mais para quem mais ganha, e especialmente se houver uma menção a um alívio da dívida. O próprio Michelogiannakis admitiu mais tarde que poderia mudar de opinião depois de haver alguma "clarificação" da proposta.
Também o parceiro do Syriza na coligação de Governo, os Gregos Independentes (Anel) fez saber na segunda-feira que não votaria a favor de um plano que incluísse o fim de uma excepção para as ilhas que beneficiam de impostos mais baixos – como aparentemente o plano apresentado faz, embora apenas para as ilhas maiores. O partido tem 13 deputados.
A posição da Nova Democracia, do antigo primeiro-ministro conservador Antonis Samaras (76 deputados), não é clara, mas os deputados poderão votar contra, já que a proposta é muito penalizadora para os empresários, que são parte da sua base de apoio. Não é claro o que farão os 13 deputados do Pasok (centro-esquerda). O único partido que já prometeu que votaria favoravelmente qualquer acordo é O Rio (To Potami), com 17 deputados.
O editor da Reuters e colunista do jornal americano The New York Times Hugo Dixon vê dois cenários, um com uma cisão no Syriza e outro sem cisão. Para Dixon, a manutenção do partido é o pior cenário: com os credores a esperarem mais concessões da Grécia para fechar o buraco de 700 milhões que ainda existe, será mais difícil a Tsipras vender o acordo na Grécia, levando a dificuldades na concretização das medidas e a mais austeridade, ao não alívio da dívida, e a um novo confronto com os credores – desta vez, um compromisso ainda mais difícil e uma ruptura mais provável.
Para Dixon, o melhor cenário seria assim uma cisão do Syriza: Tsipras poderia ganhar eleições antecipadas com a ala mais moderada, e "começar um possível ciclo de melhoria de relações, alívio da dívida, e confiança".
Plano não permite crescimento
Para além dos políticos, o plano foi criticado por economistas fora da Grécia, e por empresários e reformados no país.
Começando pelas críticas de fora, Megan Green, economista-chefe da empresa de investimento Manulife Asset Management, com sede em Boston, e uma das economistas atentas à Grécia, reagiu no Twitter: "Estou surpreendida sobre o foco das negociações gregas ser a austeridade e não as reformas estruturais. Não aprendemos nada?" Outro economista que tem seguido a crise do euro, Shaun Richards, dizia que este acordo não dá qualquer esperança à Grécia. "O ciclo até agora envolve a Grécia a implementar austeridade, seguida de queda da economia, seguida de mais austeridade, e repete." Ainda pior é um dos focos da proposta grega ser o aumento de impostos – "uma das coisas que fez a Grécia entrar em crise foi a sua inabilidade para colectar impostos", disse, "pelo que uma solução baseada num aumento de impostos é um erro básico".
O presidente da Câmara do Comércio Greco-Americana, Simos Anastasopoulos, disse que as medidas propostas por Tsipras "põem todo o peso na economia privada com novos impostos e aumentos nas contribuições que quase certamente vão levar a mais recessão e aumento do desemprego", disse, citado pelo diário britânico The Guardian. Mas Anastasopoulos acrescentou que ter um acordo baseado nesta proposta é melhor do que não ter qualquer acordo.
Já os reformados foram os primeiros a sair à rua para protestar contra as medidas. Ainda que Tsipras tenha mantido a promessa de não cortar nas reformas, há um aumento nas contribuições dos pensionistas para a saúde e fundos suplementares.
Desde o início da crise, em 2009, as pensões já sofreram cortes cinco vezes. O valor médio de uma reforma é de 833 euros por mês, quando em 2009 era de 1350 euros, diz a Reuters. Mas 45% dos reformados recebem pensões abaixo de 665 euros. Quando a solidariedade familiar é o que tem mantido a sociedade grega, depois de a economia ter sofrido uma diminuição de um quarto do PIB, e de o desemprego estar em 25%, as pensões dos idosos são muitas vezes o único rendimento certo e disponível para muitas famílias. São muito comuns as histórias de avós partilharem a sua casa e a sua reforma com filhos e netos.