Curdos conquistam nova cidade ao Estado Islâmico e apertam o cerco a Raqqa
Milícias curdas avançaram 50 quilómetros em direcção à capital do Estado Islâmico em apenas uma semana. Expande-se a frente de combate contra os jihadistas no Norte da Síria.
Apesar do rápido avanço no terreno, que parece ter acontecido sem grandes obstáculos dos jihadistas, as milícias curdas dizem que não têm planos para atacar o principal bastião do Estado Islâmico na Síria. Com Ain Issa sob o poder de forças apoiadas pelo ocidente – os pequenos grupos de rebeldes estão alinhados com o Exército Livre da Síria – o objectivo será agora formar uma frente de combate com ligação a Kobane, a oeste, ao longo da fronteira com a Turquia.
“Raqqa é uma cidade síria, tal como Tal Abyad e Kobani, e todos os sírios querem libertá-la do terror do Daash”, diz à Reuters Redur Xelil, porta-voz das YPG, utilizando o acrónico por que é conhecido o Estado Islâmico na região. “Mas por agora não faz parte da nossa agenda”, concluiu.
Numa semana apenas, as YPG e rebeldes avançaram cerca de 50 quilómetros para o interior do território que o Estado Islâmico controlava há cerca de um ano. Começaram na última segunda-feira com Tal Abyad, cidade na fronteira com a Turquia, e avançaram ao longo dos últimos dias para Ain Issa. Ao contrário do que parece estar a acontecer no Iraque, a coligação entre países lideradas pelos Estados Unidos e paramilitares na Síria parece dar frutos. O apoio aéreo da coligação área, aliás, é “excelente”, segundo Redur Xelil.
O avanço das milícias curdas por território de maioria árabe sunita, contudo, representa um sério risco de polarização e represálias étnicas contra a população local. A aproximação das YPG a Ain Issa provocou nos últimos dois dias a fuga de milhares de pessoas da cidade em para Raqqa, de acordo com o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, que monitoriza o conflito.
Sem Tal Abyad, o Estado Islâmico perdeu o principal ponto de ligação com o exterior. Agora, sem Ain Issa, os extremistas perdem a auto-estrada que ligava Hasaka, no leste do país, com Aleppo, a oeste. Ambas as cidades fazem parte dos cantões curdos do norte da Síria e são dois pontos essenciais para o controlo da região. Actualmente, o exército sírio de Bashar al-Assad tem conseguido defender ambas as cidades frente ao Estado Islâmico e a outros grupos rebeldes, mas não sem dificuldades.
Civis na linha de fogo
À medida que milícias curdas e aliados avançavam contra o Estado Islâmico nesta terça-feira, a Comissão de Inquérito das Nações Unidas apresentava a sua análise aos últimos três meses de guerra civil na Síria ao Conselho dos Direitos Humanos, também da ONU. A conclusão, uma vez mais, é a de que todos os grupos armados, desde o exército sírio às facções rebeldes, assim como o Estado Islâmico, têm utilizado cercos a áreas residenciais “com um efeito devastador” para os civis.
A guerra na Síria, que já dura há mais de quatro anos e matou mais de 220 mil pessoas, de acordo com as últimas estimativas, intensificou-se desde Março. A razão, diz a equipa liderada pelo brasileiro Paulo Pinheiro, o presidente da comissão de inquérito à Síria, é o aumento do apoio militar vindo do exterior aos grupos armados.
“Estados influentes agiram equivocadamente nos seus esforços para extinguirem o conflito na Síria”, começou por dizer Paulo Pinheiro no seu discurso desta terça-feira ao Conselho dos Direitos Humanos da ONU. “Mesmo preservando a necessidade de uma solução política, alguns [Estados] aprofundaram o seu envolvimento militar, acentuando a internacionalização do conflito”, acrescentou.
O relatório apresentado nesta terça-feira dá destaque à acção do Governo de Assad, que, tendo acesso “ao maior poder de fogo” de todas as facções na guerra civil da Síria, “inflige o maior dano”. O foco principal tem sido Aleppo. Os distritos a leste da cidade controlada pelo Governo, por onde tenta entrar o autoproclamado Estado Islâmico, “sofrem bombardeamentos – sobretudo de bombas de barril – num registo quase diário”.