Número de abortos diminui pelo terceiro ano consecutivo
Desde 2008, fizeram-se mais de 133 mil interrupções de gravidez ao abrigo da lei. Depois do “pico” de 2011, número de abortos tem vindo a decrescer e atingiu o valor mais baixo de sempre no ano passado.
Este é o número mais baixo de que há registo desde que o aborto por opção da mulher nas dez primeiras semanas de gestação foi despenalizado em Portugal, em 2007. Se se considerarem apenas os números de abortos a pedido da mulher, a diminuição face a 2013 foi de 9,5%.
Levando em conta todos os motivos (incluindo as razões clínicas, como o risco para a saúde da mãe, malformações congénitas e violações), o aborto diminuiu 1,8% desde 2008, destaca o relatório dos registos das interrupções de gravidez da Direcção-Geral da Saúde (DGS) esta segunda-feira divulgado. Em sete anos, no total, há registo de 133.098 interrupções de gravidez ao abrigo da lei.
A diminuição verificada em 2014 é “uma boa notícia”, tal como o é o aumento das interrupções de gravidez nas unidades oficiais públicas, sublinha Lisa Vicente, responsável pela Divisão de Saúde Sexual, Reprodutiva, Infantil e Juvenil da DGS. Os números colocam Portugal abaixo da média europeia, enfatiza, lembrando que, mesmo tendo em conta a quebra da natalidade verificada de 2013 para 2014, foi maior o decréscimo do número de abortos registados. “A diferença no número de nascimentos entre 2013 e 2014 não chega aos 500”, recorda.
A tendência para a diminuição tem, aliás, sido “sustentada”, defende a especialista, que nota que este fenómeno já se observa desde 2012, depois de no ano anterior se ter atingido um pico, com mais de 20 mil abortos no total.
Se nos primeiros anos após o referendo a tendência foi para o crescimento, desde 2012 verifica-se, de facto, o contrário, com os abortos a decrescer em números absolutos. Além das interrupções de gravidez por opção da mulher, também entram nesta contabilidade os casos de aborto por grave doença ou malformação congénita do nascituro (432, no ano passado) e por violação (14).
Fazendo a comparação por mil nados-vivos (crianças nascidas com vida), em 2014 observou-se igualmente uma diminuição (201 interrupções por mil nados-vivos, quando em 2013 tinham sido 221).
Em termos internacionais, destaca ainda Lisa Vicente, Portugal tem-se situado sempre abaixo da média europeia, mesmo considerando o indicador das interrupções de gravidez por mil nados-vivos para os anos disponíveis (2012). Nesse ano, a Bulgária figura no topo da tabela, com mais de 433 abortos por mil nados-vivos, enquanto a Suiça se encontra no outro extremo, com 132.
“Quase oito anos após o referendo de 2007, o que vemos é que há uma diminuição do número de complicações decorrentes das interrupções de gravidez, ao mesmo tempo que não aumentou o número” de abortos, sintetiza.
Portugal tem mesmo sido reconhecido internacionalmente como um exemplo de boa prática devido à predominância, nas unidades públicas, da interrupção de gravidez medicamentosa (nas unidades privadas continua a prevalecer o método cirúrgico) e ao registo obrigatório, acrescenta. No ano passado, 69,2% dos abortos foram feitos com medicamentos, sem necessidade de cirurgias.
Um quinto estão desempregadas
O perfil das mulheres que decidem interromper a gravidez é heterogéneo, mas não se tem alterado de forma significativa em cada ano que passa. Em 2014, por idades, mais uma vez foram as mulheres entre os 20 e os 24 anos as que mais abortos fizeram, seguidas das mulheres entre os 25 e os 29 anos e entre os 30 e os 34 anos, enquanto se continua a verificar uma tendência decrescente nas jovens (com menos de 20 anos). Tendo em conta o grau de instrução, mais de um terço tinha o ensino secundário, enquanto cerca de um quinto possuía cursos superiores. Mais de metade tinham um a dois filhos e 41,1% não tinham filhos.
Olhando para os dados sobre a reincidência, percebe-se que perto de três quartos das mulheres (71,1%) nunca tinha abortado, mais de um quinto tinha feito uma interrupção de gravidez, 5,1%, duas, e 1,9% reconhecia ter realizado três ou mais abortos ao longo da sua idade fértil. Os registos da DGS permitem também concluir que, em 2014, 303 mulheres (1,9%) já tinham realizado um aborto nesse ano. "Os dados não batem certo com os daqueles que dizem que as mulheres usam a interrupção de gravidez como forma de contracepção", comenta Lisa Vicente.
De resto, mais uma vez, estavam desempregadas a maior parte das mulheres que interromperam a gravidez no ano passado (21,7%), enquanto a proporção de estudantes diminuiu ligeiramente face a 2013 (17,1%).
A percentagem das mulheres que faz contracepção após a interrupção de gravidez tem-se mantido entre os 94 e os 97%, e está a aumentar a opção pelo dispositivo intra-uterino. No ano passado, a proporção das que foram encaminhadas pelos hospitais públicos para unidades privadas diminuiu consideravelmente (de 39,8% para 27,2%).
A iniciativa legislativa que pede a revisão da lei do aborto e se intitula Pelo direito a nascer deverá ser apreciada e votada no Parlamento até ao final da legislatura. O movimento de cidadãos quer obrigar os deputados a discutir e votar uma série de alterações à lei da interrupção de gravidez e tornar obrigatório um conjunto de medidas “de apoio à maternidade e paternidade”.
As mudanças propostas passam, entre outras coisas, por “pôr termo à actual equiparação entre as interrupções de gravidez e a maternidade para efeitos de prestações sociais”, por obrigar as grávidas a ver e a assinar as ecografias feitas para determinação do tempo de gestação e pela aplicação de taxas moderadoras.