Sócrates pondera recusar pulseira electrónica e ficar na cadeia

Lei faz depender uso da pulseira do consentimento do arguido e o ex-primeiro-ministro tem dado conta aos que o visitam de que discorda. Se se opuser no processo terá de o dizer pessoalmente ao juiz Carlos Alexandre, que terá de decidir até terça-feira.

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José Sócrates tem dito a pessoas próximas que recusa ficar em prisão domiciliária Miguel Manso

Porém, o ex-governante pondera manifestar-se contra a saída da cadeia com pulseira electrónica, apurou o PÚBLICO junto de três fontes próximas de Sócrates, que sempre estiveram no seu núcleo duro no PS. O ex-primeiro-ministro tem dado conta da sua discórdia face à proposta do Ministério Público aos que o visitaram recentemente, o que surge como uma demonstração de insatisfação e de força no contexto do processo judicial e da sua imagem pública.

Confrontado com uma mudança para casa, mas continuando formalmente preso, Sócrates prefere manter-se na cadeia. É isto que tem expressado a quem o visita, sublinhando não ter ainda tomado uma decisão.

Aliás, neste sábado à porta da cadeia de Évora, o advogado João Araújo deu conta de que discorda desta proposta por considerar que o seu cliente não deveria estar sujeito a qualquer tipo de medida de coacção. A defesa de Sócrates deverá agora tomar uma posição sobre a proposta do Ministério Público.

"A mim pessoalmente não me agrada. Não me agrada, porque acho que não há motivos para qualquer medida de coacção, esta ou outra", disse João Araújo, acrescentando ainda não saber em que sentido o seu cliente se pronunciará. "O que a lei diz é que o arguido tem de se pronunciar, portanto o engenheiro Sócrates tem até terça-feira [quando termina o prazo para a reanálise da medida de coacção] para se pronunciar", referiu ainda. O PÚBLICO tentou várias vezes, sem sucesso, contactar João Araújo neste sábado.

A Procuradoria-Geral da República também não confirmou oficialmente a proposta da alteração da medida de coacção até ao início da noite deste sábado.

Se Sócrates decidir opor-se formalmente à atenuação da medida de coacção, a única opção que restará ao juiz Carlos Alexandre será manter a prisão preventiva. Em causa está a lei que regula os meios técnicos de controlo à distância, neste caso, a vigilância electrónica, através da respectiva pulseira.

A lei determina que a aplicação da vigilância electrónica “depende do consentimento do arguido” que é “prestado pessoalmente perante o juiz, na presença do defensor, e reduzido a auto”. Não bastará, por isso, que a posição chegue a Carlos Alexandre através dos advogados, Sócrates terá de o dizer ao magistrado judicial, que terá de tomar uma decisão até terça-feira, quando termina o prazo para a revisão da medida de coacção.

De qualquer forma, a proposta do procurador titular do processo, Rosário Teixeira, no sentido de atenuar a medida de coacção, já condiciona a decisão de Carlos Alexandre. De acordo com o que está previsto no Código de Processo Penal, o juiz só poderá neste contexto sustentar a manutenção da prisão preventiva com base no perigo de fuga e no perigo de continuação da actividade criminosa. O risco de perturbação do inquérito já não está em causa, uma vez que foi o próprio Ministério Público, o titular da acção penal que dirige o inquérito, a considerar que Sócrates pode sair da prisão.

Passos e Costa não comentam
A revelação da proposta do Ministério Público ocorreu numa altura em que decorria a convenção nacional do PS. Questionado, o secretário-geral do PS escusou-se a comentar. “[Digo] o que sempre disse. Sabem que eu, decisões judiciárias, não comento”, limitou-se a dizer António Costa. Também o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, preferiu não reagir. “Não farei sobre isso nenhum comentário. É uma matéria que está nesta altura na esfera de competência judicial e não quero aditar nenhum comentário."

Sócrates foi interrogado no final semana passada pelo procurador no Departamento Central de Investigação e Acção Penal, em Lisboa. E logo então, o advogado João Araújo revelou ter ficado “muito satisfeito”. O ex-primeiro-ministro deverá entretanto voltar a ser interrogado em Lisboa.

Na semana passada, a sua defesa confirmou que o “interrogatório ficou suspenso e continuará” quando os advogados tiverem “as cópias” de documentos que requereram ao procurador, nomeadamente relativos a contas bancárias na Suíça.

Sócrates está preso preventivamente há quase sete meses. Entrou na cadeia de Évora a 25 de Novembro de 2014, depois de vários interrogatórios que se seguiram à sua detenção no Aeroporto de Lisboa, vindo de Paris, no âmbito da Operação Marquês.

O ex-governante, indiciado por crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção, é actualmente o único arguido neste processo que continua na cadeia.

Os restantes seis arguidos no processo estão com medidas de coacção mais leves do que a aplicada a Sócrates. O ex-motorista de Sócrates João Perna, que esteve inicialmente na cadeia, foi libertado em Fevereiro, após o juiz ter considerado que já não estava em causa os perigos de fuga e de continuação da actividade criminosa. O empresário e amigo de Sócrates, Carlos Santos Silva, saiu da cadeia e ficou em prisão domiciliária no início da semana passada.

Igualmente o administrador do Grupo Lena Joaquim Barroca Rodrigues, suspeito de ser um dos principais corruptores do ex-primeiro-ministro José Sócrates, deixou no mês passado o Hospital-Prisão de Caxias e regressou a casa, onde aguardará o desenvolvimento do processo em prisão domiciliária.

Entre os restantes arguidos estão o advogado Gonçalo Ferreira, o administrador da Octapharma Paulo Lalanda Castro e a mulher de Carlos Santos Silva, Inês Pontes do Rosário. António Morais, ex-professor de Sócrates, também foi constituído arguido, mas no âmbito de um inquérito autónomo depois da defesa de Carlos Santos Silva ter apresentado queixa por o docente ter alegadamente presionado familiares do empresário no sentido de este admitir a titularidade dos milhões que o Ministério Público diz serem afinal de Sócrates.

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