Tsipras dá mais um passo em desafio aos credores

Primeiro-ministro grego discursa perante o Parlamento e tenta que a oposição defina a sua política em relação às propostas dos credores.

Foto
Tsipras tentou convencer os deputados de que um acordo estava iminente, mas recusou de modo firme as propostas dos credores Alkis Konstantinidis /Reuters

A questão deverá dominar o encontro do G7 na Alemanha, muito a contragosto da anfitriã, Angela Merkel. No fórum os EUA deverão continuar a pressão cada vez menos subtil sobre os europeus para cederem um pouco e não desvalorizarem o perigo de uma saída da Grécia – não só pelos riscos imprevisíveis para a economia global como pelo perigo de perder a preciosa posição geoestratégica da Grécia. Provavelmente jogando com isso, lembra o Guardian, Tsipras fez saber esta sexta-feira que manteve uma conversa telefónica com o Presidente russo, Vladimir Putin.

No Parlamento, Tsipras argumentou que a proposta que o seu próprio Governo apresentou aos credores, já resultado de um compromisso e com concessões, é a única aceitável – "um acordo deveria ter como principal objectivo uma economia sustentável". Já "as propostas dos credores são irrealistas". Por isso – e foi com esta frase que terminou o discurso –, "o Governo grego não vai concordar com propostas absurdas".

Mas ao mesmo tempo que levava o desafio em frente, garantia que um acordo está "iminente".

Ainda antes do final do discurso de Tsipras, o jornalista Nick Malkoutzis, do diário Kathimerini e do site de análise Macropolis, resumia o objectivo: "Tsipras está a tentar forçar os partidos da oposição a dizer publicamente que rejeitam as propostas dos credores." Esta é a altura de "responsabilidade para todos, sobretudo para o Governo, mas também para a oposição", disse Tsipras. E pediu a "todos os partidos" no Parlamento que apoiem os esforços do Governo.

Uma frente nacional unida seria crucial para desafiar deste modo os credores, que não só têm insistido que é o seu plano, e não o de Tsipras, que é a base das negociações, como têm recusado que a ideia é um compromisso a meio-termo entre as posições de todos. Como disse o chefe do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, "não é verdade que tenhamos de encontrar um meio-termo – essa não é a nossa intenção".

Numa crise que demasiadas vezes tem sido vista por um prisma moral, o primeiro-ministro grego declarou que "a asfixia económica de um país é uma questão moral" e garantiu: "Não nos vão humilhar."

O Governo esforçou-se por manter o discurso secreto numa questão que tem sido dominada por fugas de informação, rumores e tiradas de fontes não identificadas. Apenas foi discutido pessoalmente, evitando telemóveis, conta Paul Mason, do Channel 4 da TV britânica. A imprensa antecipava vários cenários, incluindo o anúncio de eleições. A contribuir para a atmosfera dramática, nuvens-chumbo de tempestade enquadravam o Parlamento na praça Syntagma (Constituição).

Tsipras fez ainda o seu discurso de recusa quando uma sondagem dizia que a maioria dos gregos preferia que as propostas dos credores fossem aceites: 47% querem que o Governo aceite o plano da troika enquanto 35% querem que as recuse, diz o inquérito do instituto Metron Analysis.

O desafio do primeiro-ministro segue-se ao apoio à posição do Governo grego de uma série de economistas no diário financeiro Financial Times, incluindo o prémio Nobel Joseph Stiglitz, o francês Thomas Picketty, o antigo primeiro-ministro italiano Massimo D’Alema, e o americano Jamie Galbraith. Criticando as "concessões constantes" que estão a ser exigidas ao Governo grego, os signatários dizem-se desapontados com os líderes europeus por estes não estarem a colaborar com o executivo grego que iniciou já duas grandes mudanças na lista contra a evasão fiscal e corrupção, que a austeridade está a "minar" quando o objectivo dos parceiros deveria ser encorajar o seu sucesso. Termina avisando: "O modo como a Grécia for tratada enviará uma mensagem a todos os seus parceiros da zona euro."

A oposição reagiu ao discurso de Tsipras com questões e críticas. O anterior chefe de Governo, Antonis Samaras, disse que a má gestão por parte de Tsipras e do Syriza levou a que muitos credores estejam a fazer mais exigências do que em 2014. "Vocês destruíram totalmente o país e isolaram-nos." E duvidou da incongruência de Tsipras dizer que um acordo está iminente e que o plano apresentado pelos credores é absurdo.

Nas eleições antecipadas de Janeiro, o Syriza venceu ficando a pouco da maioria absoluta com 149 deputados num Parlamento de 300 deputados – coligou-se com o partido populista Gregos Independentes, que tem 13 deputados. O Syriza teve uma votação de 33%, e as últimas sondagens têm indicado que teria um melhor resultado se a votação fosse hoje – e que na oposição, a Nova Democracia diminuiria ainda mais os 27% que obteve em Janeiro e que correspondeu a um grupo parlamentar de 76 deputados. Ainda esta sexta-feira, uma sondagem do instituto Metron para o jornal Parapolitika dava entre 45% de intenções de voto ao Syriza, 21,4% à Nova Democracia e 7% ao To Potami, com os socialistas (PASOK) renegados para sétimo lugar com 3,8%.

Num lembrete da realidade política grega por vezes esquecida, no debate seguiu-se o presidente do partido de extrema-direita Aurora Dourada, que com 6,3% nas últimas eleições elegeu 17 deputados (nesta sondagem aparecia logo a seguir ao Rio, com 5%). Muitos deputados saíram enquanto falava Nikos Mihaloliakos, que está preso preventivamente, acusado de associação criminosa e outros delitos.

Por último, falou Evangelos Venizelos, do PASOK, acusando o Governo de "enquanto diz que não implementará a austeridade, trazer o país para a recessão".

Alguns analistas elogiaram a manobra política de Tsipras, outros lamentaram que o primeiro-ministro dissesse que havia um acordo próximo enquanto rejeitava as ofertas que lhe foram feitas. Depois do debate, a situação continuou tão incerta como antes.

Sugerir correcção
Ler 16 comentários