Magistrados dizem não querer servir de álibi à incompetência de Paula Teixeira da Cruz
Ministério da Justiça acusa sindicatos de tentarem obter vultuosos aumentos salariais através de negociação de estatutos profissionais.
É a reacção às declarações de Paula Teixeira da Cruz, que afirmou esta quarta-feira de manhã no Parlamento que a aprovação dos estatutos das magistraturas – juízes por um lado e procuradores por outro – se encontrava dependente das cedências que estas classes estivessem dispostas a fazer em matéria de aumentos salariais, uma vez que tinham apresentado pretensões incomportáveis. “Não é possível nem fácil passar de salários de três mil para salários de 4224 euros ou de oito mil para dez mil euros — sem contar com outras compensações como subsídio de turno, subsídio de fixação, subsídio de movimentação, acumulação de funções e despesas de deslocação”, exemplificou a governante, explicando que encaminhou as propostas de diploma com encargos salariais adicionais de 32 milhões de euros para as Secretarias de Estado do Orçamento e da Administração Pública.
António Ventinhas não confirma que os valores avançados por Paula Teixeira da Cruz tenham sido os efectivamente os propostos pelo sindicato, mas refere que isso nem sequer é relevante neste momento, uma vez que a proposta estatutária apresentada à ministra emanou não da organização sindical que dirige, mas sim de um grupo de trabalho que, apesar de incluir um sindicalista, era presidido pelo secretário de Estado da Justiça e integrava ainda duas personalidades de mérito indicadas por Paula Teixeira da Cruz. “Sempre dissemos à ministra que a questão remuneratória não era fulcral no novo estatuto”, assegura António Ventinhas. “Ela vir falar nisso é um álibi para lavar as mãos de um processo que não conseguiu concluir, por incompetência”.
Questionada pelos deputados sobre se iria conseguir fazer aprovar os estatutos em causa até ao fim da legislatura, a governante não se comprometeu. “Farei tudo para concluir o processo. Mas, se as exigências salariais se mantiverem nestes patamares… nem o país perceberia esses aumentos”, avisou, acrescentando que as tabelas remuneratórias que lhe foram apresentadas, e que aguardam parecer das Secretarias de Estado do Orçamento e da Administração Pública, “não têm qualquer correspondência com a realidade”.
O secretário de Estado da Justiça, António Costa Moura, diz por seu turno que a tutela “não ensandeceu”, razão pela qual não foi o Ministério da Justiça a propor, no seio do grupo de trabalho, “vencimentos de onze mil euros para os magistrados” - e sim o sindicato. Prevendo uma “reacção epidérmica” das Finanças, quando lhes remeteu as propostas remuneratórias elaboradas pelo grupo de trabalho fê-las acompanhar de um “cenário alternativo”, mais realista. Sobre a razão pela qual permitiu que os trabalhos sobre o estatuto das magistraturas se tivessem prolongado muito para além do prazo previsto, até quase ao fim da legislatura, o governante explica que a tutela não quis impor nem um calendário, nem uma solução.
António Costa Moura relativiza as afirmações de Ventinhas: “Acabou de ser eleito para o sindicato, está numa fase de afirmação de liderança. Não admito é que diga ser por incompetência da ministra que só agora estamos nesta fase do processo”.
A indignação não é, porém, só dos procuradores. A presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Maria José Costeira, também vê nas declarações da ministra "um argumento para justificar um atraso injustificável".
"Se o estatuto não for aprovado na semana que vem em Conselho de Ministros já não haverá mais hipóteses nesta legislatura - e na próxima voltará tudo à estaca zero. Nesse caso, teremos de tomar as medidas necessárias e adequadas para resolver o problema, eventualmente conciliando estratégias com o Sindicato do Ministério Público", adverte a dirigente sindical, sem adiantar mais detalhes.