Só 40% dos anestesiologistas trabalham em exclusivo nos hospitais do SNS
Estudo da Ordem dos Médicos aponta para falta de mais de 400 especialistas nesta área, mas defende que o principal problema está na falta de capacidade dos hospitais públicos de atraírem os clínicos.
Os números fazem parte de um trabalho conduzido pelo Colégio de Anestesiologia da Ordem dos Médicos com o objectivo de apresentar uma fotografia da realidade nacional nesta especialidade. A ideia é que os restantes colégios façam trabalhos semelhantes. Para as conclusões, a ordem contou com inquéritos feitos em meados de 2014 aos hospitais do sector público e do sector privado. No total, há 1121 especialistas integrados nos serviços de anestesiologia e mais 71 que tendo esta especialidade trabalham noutros serviços dos hospitais do SNS. Há ainda 62 internos que já terminaram a especialidade, mas que ainda não foram colocados e 200 especialistas a trabalhar só no privado.
Para o presidente do Colégio de Anestesiologia, Paulo Lemos, estes valores contradizem as afirmações do Ministério da Saúde de que há falta de anestesistas no país, referindo-se antes a um problema de distribuição. Paulo Lemos contrapõe que o que tem faltado é vontade política para conseguir fixar estes profissionais nos hospitais públicos e em horários mais completos. Como exemplo desta realidade, o médico destaca que dos 1121 clínicos desta especialidade integrados nos serviços de anestesiologia, só 10% estão no topo de carreira, no grau de assistente graduado sénior. Há ainda perto de 50% de anestesiologistas no grau mais baixo e com “carreiras congeladas”.
Já o bastonário da Ordem dos Médicos alertou que muitos destes especialistas tiveram de passar a trabalhar 18 horas semanais nas urgências, em vez das anteriores 12 horas, o que compromete o tempo que podem dedicar a outras actividades. “É um dia que não vão bloco operatório [para cirurgia programada]”, alertou José Manuel Silva. Aliás, o bastonário considera que, ao contrário do que indicam os dados da Administração Central do Sistema de Saúde, a actividade cirúrgica do SNS não está a aumentar. “Muito do aparente aumento da actividade assistencial tem a ver só com registos”, garantiu, dando como exemplo de intervenções a retirada de alguns sinais cutâneos, feita sem a intervenção de anestesista mas que conta como outras “grandes operações”.
Em Março, o ministro Paulo Macedo tinha afirmado que a tendência de crescimento do Serviço Nacional de Saúde não poderá ser mantida. “Não nos iludamos, o número de cirurgias não continuará a aumentar por causa essencialmente não de blocos operatórios, não de financiamento, não de cirurgiões, mas porque não há anestesistas”, explicou. “Chegámos aí devido a uma falta de planeamento e restrições no acesso a idoneidades para qualificação e planos de formação que não acautelaram esses aspectos”, acrescentou Paulo Macedo.
Até 2020, Paulo Lemos acredita que se podem formar dois terços dos mais de 400 profissionais em falta. Mas o problema poderá manter-se se o sector público não os conseguir fixar e ter outro tipo de organização. Além disso, reforça que de 2002 a 2011 o número de novos especialistas nesta área cresceu quase 28%. Por outro, o representante dos anestesiologistas assegura que as cirurgias são apenas uma pequena parte do trabalho desta especialidade. Segundo o estudo, o tempo em bloco operatório fica-se pelos 35% do global do trabalho destes médicos.
Paulo Lemos alerta que o que fica por realizar são muitas vezes outros serviços como o controlo da dor e apoio a exames de cardiologia, gastroenterologia, medicina da reprodução, psiquiatria ou mesmo analgesia nos partos. As estimativas apontam para que só 56% dos doentes operados tenham uma consulta de anestesia e para que mais de 20% dos partos ocorram sem anestesia (epidural) – ainda que em alguns casos tal possa acontecer por vontade das mulheres.
O estudo identificou também problemas na organização das salas em que trabalham os anestesistas. Em média, 75% das salas são ocupadas de manhã e só 25% durante o período da tarde. Sobre esta divisão dos profissionais entre o sector público e o sector privado, José Manuel Silva acusou o Ministério da Saúde de “hipocrisia política”. “A separação das águas tem sido referida apenas com base em hipocrisia política e não com nenhuma medida concreta. Se a fixação [no SNS] fosse imposta com as remunerações actuais havia um êxodo ainda maior. Os médicos estão obrigados a trabalhar no sector público e privado para compensar os magros vencimentos”, reiterou o bastonário.