Maria Bethânia: “O meu show não é nada retrospectivo, nada. Não gosto de parar”

Abraçar e Agradecer foi a forma que Maria Bethânia arranjou de levar aos palcos o espírito do seu mais recente disco, Meus Quintais. Chega agora a Portugal, aos coliseus. Domingo no Porto e 27 e 28 em Lisboa.

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No Brasil, o espectáculo, quando abre a bilheteria, esgota em vinte minutos, meia hora Alexandre Moreira

Abraçar e Agradecer, o seu novo espectáculo, tem esgotado no Brasil todas as salas onde se apresenta. E é esse espectáculo que Portugal agora verá, nos coliseus, primeiro no Porto (dia 24) e depois em Lisboa (dia 27 e 28), sempre às 21h30.

Este seu espectáculo chama-se Abraçar e Agradecer. A quem e quê, em primeiro lugar?
Eu quero abraçar a alegria de chegar aos 50 anos de carreira com vitalidade, com voz, com o coração quente, nada passou indiferente por mim nem passa; abraçar as pessoas que alimentam isso em mim da maneira que me têm recebido; e agradecer primeiramente a Deus, ao vento que me gerou, ao orixá que me tomou e à força que eu sinto na água da minha terra, na mata da minha terra, no céu da minha terra, na influência dos poetas em mim.

Isso remete-nos para o seu mais recente disco, Meu Quintais, que é muito expressivo nessa ligação à terra, às memórias de infância…
O meu show vem em cima desse repertório. Porque não é um show retrospectivo, de carreira, absolutamente não. Eu sempre falo, com a imprensa, onde vou apresentar o espectáculo, que as pessoas não esperem um show retrospectivo, lembrando os shows de estreia nem os grandes sucessos da carreira. Tem muitos, mas não obrigatoriamente. É um show hoje, sou eu hoje; como eu vejo, como eu sinto, não só o passado mas como eu me sinto agora e como penso o futuro, como eu o desejo. E com muitas canções inéditas, muitas coisas novas, lindamente criadas. Não é nada retrospectivo, nada! Não gosto de parar. Não suporto essa coisa que me aprisiona. Eu corro!

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"Eu quero abraçar a alegria de chegar aos 50 anos de carreira com vitalidade" Alexandre Moreira

As canções inéditas de que fala, foram pedidos seus? Ou também sugestões dos autores?
Algumas eu pedi. Por exemplo, a Paulinho Pinheiro, o nosso querido poeta e grande compositor Dori Caymmi… São pessoas que eu já conheço, que me conhecem, que entendem a intérprete que eu sou, mais do que uma cantora. Eles compõem de um modo que cabe bem, que me traduz. Então eu procurei: ‘Têm alguma canção pra mim? Querem fazer pró show?” E eles fizeram. Me deram quatro ou cinco canções, duas inéditas e outras já gravadas no Meus Quintais. Chico César, por exemplo, me apresentou uma compositora nova, uma menina que nunca foi gravada, da Paraíba. Ele me mandou a música e é fenomenal, é a música de encerramento do meu espectáculo [a canção chama-se Silêncio e o nome da compositora é Flávia Wenceslau].

Continua, portanto, na busca de novos autores?
Adoro chegar em algum lugar e descobrir coisas novas. É isso que me alegra, que me renova, é isso que eu respiro. Agora é lógico que o show tem Caetano, Chico ou Gilberto Gil, porque não posso viver sem eles, eles são a base da minha geração. Tenho as minhas reverências todas e os meus agradecimentos todos. Mas também tenho os abraços dos que chegam.

Tem também poesia, pelo meio do espectáculo, como sempre. Clarice Lispector, Wally Salomão, Fernando Pessoa… Há outros mais?
Tem a Carmem Oliveira, e é prosa, não é poema. Mas Clarice [Lispector, 1920-1977] foi a autora que mais me pegou agora, ela veio fazendo a dramaturgia do show. Foi uma surpresa para mim.

Ela ressurgiu-lhe através de releituras ou memórias?
Eu estudei muito Clarice, li muito Clarice, trabalhei muito com Fauzi [Arap, 1938-2013], meu director, meu mestre, a obra dela. Então houve um momento em que queria uma expressão sobre um assunto e encontrei em Clarice. Normalmente me vem Fernando Pessoa porque ele era muito parecido comigo, poeticamente. Mas desta vez sobreveio a prosa e a memória de Clarice.

Mas esse encontro fez-se através de que sentimentos, de que imagens?
A estranheza na literatura de Clarice, assim como na poesia de Pessoa, é o que me atrai na escrita deles. Porque Clarice era muito estranha escrevendo, mas ela tem uma clareza no que pensa, no raciocínio, na agilidade, nas palavras poucas sem vírgulas, ela joga aquelas frases e aquilo queima, é muito vivo, muito quente. E o Fernando tem isso com a poesia, ainda por cima! Então são tradutores do modo que eu sinto, eu acho que é isso.

Este seu espectáculo abre com a canção Eterno em mim…
O Caetano escreveu isso direitinho para mim [dá uma gargalhada].

O que gostaria que fosse eterno em si?
Talvez essa mania pela liberdade, esse querer ser livre. Isso é o que eu mais gosto em mim.

A última canção no espectáculo é Silêncio, mas numa gravação que está online vê-se que não resistiu a cantar o Carcará depois dela. É uma sombra que a persegue?
Isso foi um presente dos músicos, das coisas mais bonitas que já recebi. O show terminava com Silêncio, eu saía de cena, encerrando com uma frase musical, como é normal, e nos últimos ensaios, quando passei o show inteiro corrido, pus o microfone no chão e eles fizeram uma versão do Carcará. Foi um carinho comigo, eu me emocionei e falei: se vocês fizerem o Carcará eu não posso sair de cena. Mas não vou olhar para a cena, eu canto mas não olho.

Essa canção, Carcará, não só marcou o seu início de carreira [no Teatro Opinião, em 1966] como marca também um pouco a sua personalidade. É um sinal de liberdade e de força?
De muita força. Uma ave no sertão é muito forte.

Como tem sido recebido no Brasil este seu espectáculo, estreado em Janeiro?
Em todos os lugares, quando abre a bilheteria, esgota em vinte minutos, meia hora. Em Recife, esgotou em oito minutos. E o show é em Agosto. Fiquei muito comovida, muito emocionada com isso, porque 50 anos tendo isto como resposta, eu só tenho mesmo que agradecer e abraçar.

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