A queda e o renascimento dos U2 no início da nova digressão mundial
Humanos e não máquinas. São assim os U2 dos últimos meses. Depois da polémica do lançamento do novo álbum, do acidente de Bono e da morte há dias do pai de Larry Mullen Jr, foi o guitarrista The Edge a colocar um pé em falso no primeiro de dois concertos, em Vancouver, no início da digressão mundial. Na adversidade, eis que renascem os U2.
Uma longa digressão que decorre até Novembro (podendo ser prolongada para o próximo ano, com prováveis datas em Portugal), com salas já esgotadas, em cidades americanas e europeias, realizando-se os concertos em espaços fechados e não em estádios. Daí a opção por fazer dois concertos nas mesmas cidades, como aconteceu agora em Vancouver.
A queda do palco do guitarrista The Edge, na madrugada de sexta-feira, acabou por marcar a primeira de duas noites, servindo para diversas simbologias. Recorde-se que há seis meses Bono havia tido um acidente de bicicleta, em pleno Central Park, em Nova Iorque, do qual resultaram lesões que chegaram a colocar em causa a digressão.
Há cinco dias o pai do baterista Larry Mullen Jr havia morrido e os admiradores interrogavam-se se estaria em condições emocionais para os concertos. Para já não falarmos do lançamento nada pacífico, numa parceria com a Apple, do último álbum Songs Of Innocence. De repente, existia uma nuvem negra sobre um dos grupos rock mais populares de sempre.
Agora foi o guitarrista The Edge que, na interpretação da última canção do concerto, I still haven’t found what i’m looking for, deu um passo em falso, acabando por cair com aparato do palco. Nesse instante os responsáveis pela digressão devem ter levado as mãos à cabeça, com medo que daí resultasse uma lesão com seriedade, mas tal não veio a suceder. Pelo contrário, o acontecido teve o efeito de mostrar que os U2, independentemente dos grandes meios tecnológicos à disposição e da capacidade de porem de pé um grande espectáculo, continuam a ser humanos, apenas humanos.
Em grande parte é isso que reflecte a maior parte das crónicas sobre os dois espectáculos efectuados. Os concertos estão divididos em duas partes, mais o encore final com quatro canções. Na primeira metade os irlandeses apresentam canções novas – como Miracle (of Joey Ramone) na abertura, tendo regressado ao novo álbum mais seis vezes – e interpretam outras mais antigas, como uma versão acústica de Sunday, bloody Sunday, Until the end of the world, Vertigo ou mesmo do início da carreira, como Out of control e I will follow, do álbum Boy.
Na segunda metade existe espaço para sucessos como Even better than the real thing, Mysterious ways e Pride (in the name of love), com canções que nem sempre são tocadas ao vivo pelo grupo como Sweetest thing. Para o final ficaram êxitos como With or without you, Where the streets have no name e I still haven’t found what i’m looking for. Um pouco inesperadamente, de fora ficou One, uma daquelas canções emblemáticas que costumam fazer parte dos alinhamentos.
Ao longo dos concertos, Bono mostrou-se em forma, tendo até agradecido ao médico que o ajudou na recuperação, fazendo o habitual número de puxar para palco uma rapariga (em Sweetest thing), dando-lhe um iPhone para ela filmar a banda, surgindo as imagens nos grandes ecrãs. No encore surgiram também imagens de Stephen Hawking a falar sobre a relação entre poder e política. Antes já tinham surgido imagens de figuras icónicas da música dos anos 1970, como Lou Reed, David Bowie, The Clash ou Sex Pistols, como se o grupo quisesse mostrar a sua linha de descendência.
Do lado cénico a grande novidade é a gigante estrutura rectangular, que é tanto passadeira como plataforma de vídeo, permitindo criar momentos de grandiosidade mas também de alguma intimidade com a maior parte do público da plateia. Os ecrãs de vídeo estão suspensos acima da passadeira que junta o palco principal a um segundo palco, circular, mais pequeno.
Em suspenso estava a hipótese de os U2 utilizarem imagens do vídeo que o artista português Alexandre Farto (mais conhecido por Vhils) realizou para a canção Raised by wolves, mas tal não aconteceu, pelo menos para já. Recorde-se que quando o PÚBLICO noticiou que Vhils tinha feito um vídeo para o grupo irlandês, estava também em cima da mesa a hipótese de este participar criativamente na elaboração de pormenores do presente espectáculo, o que não veio a suceder porque a equipa que preparou a digressão foi entretanto substituída.
No fim de contas foram duas noites que serviram para mostrar que, depois da convulsão no ano passado, aquando do lançamento do álbum, os U2 continuam a ser uma das mais populares bandas rock do planeta. É no palco que verdadeiramente se decide, nos dias que correm, a sua carreira. Mesmo quando parecem tombar, conseguem reerguer-se. Este sábado na sua conta do Instagram, The Edge, colocou uma foto do braço com algumas escoriações e escreveu: “Didn’t see the edge, i’m ok.” Pelos vistos, não perderam também o sentido de humor.