Aulas à la carte ou uma semana de “recruta” na universidade?
Universidade do Porto premiou projectos inovadores das faculdades de Engenharia e Economia, que ajudaram a melhorar resultados dos alunos no primeiro ano de licenciatura.
A ideia de aulas à la carte está a ser concretizada, desde há três anos, na unidade curricular de Matemática 1, no 1.º semestre do 1.º ano, do curso de Gestão da Faculdade de Economia do Porto (FEP). Quando Paulo Vasconcelos e Sofia Gothen começaram a implementar as mudanças, corria o ano lectivo de 2012/2013, os alunos inscritos na disciplina eram mais do que o dobro do numerus clausus do curso. Nos três anos anteriores, tinha havido um “aumento considerável” no número de estudantes inscritos e as estatísticas mostravam também uma taxa de aprovação baixa. Matemática 1 tinha-se tornado numa das “cadeiras” com mais baixas taxas de alunos a concluir a avaliação. “Muitos dos estudantes chegavam a um ponto em que nem se propunham a ser avaliados”, conta Paulo Vasconcelos.
Hoje, a tendência de maus resultados foi invertida. Os 264 inscritos de 2012 passaram a 205, no presente ano lectivo. Actualmente, quase 80% dos inscritos submetem-se à avaliação, quando somente 71% o tinham feito três anos antes; a taxa de aprovação entre os que se submeteram a avaliação subiu para 88%. Há ainda um outro número que mostra o sucesso desta abordagem: a taxa de aprovação de alunos repetentes triplicou em três anos, de 25% para 75%.
Qual é o segredo por trás destes resultados? A disciplina de Matemática I passou a recorrer ao chamado blended-learning, uma mistura entre o ensino online (e-learning) e aulas presenciais. A grande inovação dos professores da FEP foi darem a possibilidade aos alunos de escolherem que tipo de ensino querem privilegiar, numa espécie de "disciplina à la carte". Ou seja, um estudante pode apenas frequentar as aulas tradicionais ou, pelo contrário, nunca ir à faculdade e fazer toda a disciplina a partir de casa. São ainda possíveis todo o tipo de combinações intermédias.
Esta liberdade podia levantar algumas dúvidas do ponto de vista dos resultados, mas “a aquisição de competências é uniforme, independentemente do caminho que eles escolhem para adquirir essas competências”, garante Sofia Gothen. As matérias tanto são abordadas nas aulas presenciais como online e há “pistas” em alguns dos materiais utilizados que levam os estudantes a outros materiais. Além disso, há testes de auto-avaliação e um check-up, que não conta para a nota, servindo apenas como ferramenta para que o aluno, ao longo do semestre, vá confrontando os seus conhecimentos com o tipo de questões que podem aparecer nos dois testes de avaliação da disciplina.
Outro exemplo deste método de ensino são as aulas de laboratório, presenciais, em que se trabalha em pequenos grupos, em discussão entre professores e alunos. O mesmo tipo de perguntas é também formulado no curso online, através de um quizz em que o estudante é sujeito “a uma impregnação do mesmo tipo de matéria”, diz Paulo Vasconcelos.
A iniciativa inovadora da FEP foi uma das distinguidas, no mês passado, com o Prémio de Excelência Pedagógica da UP, entre um conjunto de 14 candidaturas apresentadas. O galardão é um dos eixos do plano para a melhoria do ensino e aprendizagem da UP e incluiu também actividades de formação para os docentes, promoção de projectos pedagógicos inovadores e investigação na área dentro daquela universidade. “Há 20 anos houve uma aposta na componente cientifica da universidade, que resultou, e a UP ganhou uma relevância muito grande em termos de investigação. Agora, queremos fazer o mesmo em termos pedagógicos”, sintetiza o pró-Reitor para a Inovação Pedagógica e Desporto, Fernando Remião.
O outro vencedor desta edição dos prémios de excelência pedagógica está na faculdade vizinha, a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). A melhor maneira de ilustrar o que é o Projecto FEUP – assim se chama a disciplina – é evocar a recruta militar. A disciplina tem uma implementação original. Em vez de durar um semestre, como é habitual nas demais unidades curriculares, parte de uma semana de formação inicial intensiva, prolongando-se depois, ao mesmo tempo que as restantes disciplinas, até meados do semestre.
Nessa semana inicial intensiva os estudantes não fazem mais nada a não ser trabalhar para o Projecto FEUP. “Em algumas universidades estrangeiras chamam-lhe mesmo boot camp (recruta). Mas aqui vamos um bocadinho mais longe, porque também trabalhamos competências de comunicação e outro tipo de competências transversais que vão ser úteis aos estudantes”, explica Armando Sousa, um dos coordenadores da unidade curricular.
Esta disciplina tem o objectivo de ajudar o aluno a desenvolver competências transversais, que vão ser necessárias ao longo de todo o percurso académico e na vida profissional, mas também uma preocupação de integração dos estudantes recém-chegados ao ensino superior. Segundo Manuel Firmino, o outro responsável do Projecto FEUP, a intenção é “criar um bom impacto na entrada do estudante no ensino superior”. “O que começa bem, tem tendência a continuar bem”, defende.
Os estudantes são postos em contactos com a prática da faculdade, ao mesmo tempo que têm um conjunto de palestras gerais e de actividades práticas, que podem incluir jogos de computador ou trabalho em pequenos grupos. Há ainda algumas “mega-actividades”, em que todos os alunos de Projecto FEUP participam. E são cerca de mil. Isto, porque a disciplina é comum a todos os estudantes dos vários cursos da faculdade. Aliás, a sua dimensão é gigante: Há 50 monitores envolvidos (estudantes do 4.º e 5.º anos dos vários cursos, que recebem para isso formação especifica), 50 professores supervisores, dez formadores e nove coordenadores, tantos quantos os cursos da FEUP.
Os resultados mostram que também esta abordagem tem resultado. Desde logo ao nível das notas dos alunos: nos últimos três anos, o número de aprovações tem estado sempre acima dos 90% e a média da disciplina é de 15 valores. Mas há uma outra consequência que é valorizada pelos responsáveis do Projecto FEUP: os resultados dos inquéritos feitos aos estudantes mostram um “forte crescimento das percepções de capacidades”. Em todos os casos há grande subida da média estatística e muitos estudantes passaram a declarar concordância absoluta com a melhoria de capacidades depois de passarem pela disciplina, bem como “uma melhoria substancial” da sua percepção de integração. “Os resultados alcançados comprovam os ganhos significativos ao nível da integração dos estudantes e em relação à promoção das aprendizagens”, valoriza Manuel Firmino.