O novo Museu dos Coches vai abrir sem a exposição completamente montada
Necessidade de conter despesas levou a atrasos. O preço do bilhete ainda não foi divulgado, mas as estimativas de custos de funcionamento já desceram para os 2,7 milhões/ano, com grande participação de privados.
Pronto desde finais de 2012, o conjunto arquitectónico do novo Museu Nacional dos Coches, com assinatura do Pritzker brasileiro Paulo Mendes da Rocha em colaboração com o português Ricardo Bak Gordon, está prestes a abrir e, a avaliar pela conferência de imprensa desta segunda-feira, o compasso de espera de mais de dois anos não permitiu, ainda, concluir o projecto.
Falando aos jornalistas no topo da grande nave Norte do edifício com seis mil metros quadrados de área expositiva, o triplo da do antigo museu, o secretário de Estado da Cultura lembrou que os Coches são um “desafio decidido pelo anterior governo” para depois reconhecer que foi em nome da contenção de despesas, sobretudo em 2013, que permaneceu fechado todo este tempo. “Vivemos uma fase muito difícil para o país”, que “complicou as contas do Estado” e que acabou por atrasar os concursos para a conclusão do complexo, com um custo global a rondar os 40 milhões de euros, suportado pelas receitas do Casino de Lisboa.
As estimativas de custos de funcionamento anuais, que inicialmente eram de mais de três milhões de euros, também não ajudaram e chegaram a levar Barreto Xavier a dizer em diversas ocasiões que o museu seria insustentável sem um modelo de gestão apropriado.
Os concursos, entretanto lançados, dizem respeito à ponte pedonal e ciclável sobre a linha do comboio e a Avenida da Índia, que deverá ligar o conjunto ao rio e que estará pronta em Junho de 2016, e à museografia, essencial à leitura da colecção, que ficará instalada até ao fim deste ano. Quer isto dizer que, do ponto de vista físico, o edifício vai inaugurar a 23 de Maio, dia em que o museu criado pela rainha D. Amélia completa 110 anos, praticamente igual ao que poderia ter aberto no início de 2013. Jorge Barreto Xavier explica : “O edifício precisa de ser usado e nós considerámos, há já mais de um ano, que estes aspectos [ponte e museografia] não deviam adiar a sua fruição.”
E se não avançaram antes é porque os concursos são demorados e é preciso cabimentar verbas: a ponte custará 1,7 milhões de euros e a museografia 1,5. Quanto a esta última, defenderia um pouco mais tarde em declarações ao PÚBLICO, “o essencial está feito”: “Os coches estão já todos no sítio que vão ocupar em definitivo e o discurso expositivo é este”, disse Barreto Xavier, apontando para a longa fila de viaturas de uma das galerias, ainda sem baias ou qualquer legendagem com informação sobre os coches e berlindas ordenados cronologicamente. “O que falta são questões menores, porque toda a informação vai estar cá no dia de abertura.”
Silvana Bessone, directora do museu, diria mais à frente, a meio da visita guiada por Ricardo Bak Gordon, que nesta primeira fase, até à instalação do projecto museográfico de Mendes da Rocha e do arquitecto português Nuno Sampaio, “as viaturas vão estar identificadas correctamente”, mas a informação vai ficar mais completa no fim do ano.
A museografia de Mendes da Rocha e de Nuno Sampaio faz-se em quatro níveis, explicou por telefone o arquitecto português. O primeiro é composto por barreiras delimitadoras à altura do chão que, além de protegerem as viaturas dão ao visitante uma série de informação; um segundo que passa pelas 16 vitrinas espalhadas pelas duas naves de exposição, onde serão mostrados fardas, instrumentos musicais, arreios e acessórios vários ligados ao universo da colecção, e um terceiro que inclui painéis digitais interactivos, colocados junto a coches ou conjunto de coches com muitos dados adicionais e a possibilidade de “espreitar” para o interior. “No último nível temos duas projecções vídeo de 30 metros nas galerias, com pormenores das viaturas, da escultura, da pintura, com excertos de filmes famosos em que são usados e outros elementos que ajudam a criar ambiente e que dão o contexto histórico de forma muito imediata”, acrescentou Sampaio, adiantando que a museografia foi entregue ao mesmo tempo que a obra. Sobre o facto de o museu abrir sem que o programa expositivo esteja instalado diz apenas: “Gostava, tão breve quanto possível, que a melhor colecção de coches do mundo estivesse convenientemente exposta. Só com ela é que o projecto está concluído.”
Previsões conservadoras
Sempre em diálogo com o museu do picadeiro real, onde até aqui esteve exposta a colecção, os novos Coches vão mostrar em Lisboa 78 viaturas (no antigo estavam apenas 55), desde finais do século XVI - o percurso começa com o célebre coche de Filipe II – ao final do século XIX, período que até aqui estava pouco representado por falta de espaço, disse a directora, precisando que de Vila Viçosa, onde está outro núcleo do museu, vieram 25 exemplares. O anexo do paço ducal desta vila alentejana vai continuar visitável – ficarão em exposição 46 viaturas -, mas o seu programa terá de ser remodelado, explicou Bessone na conferência.
O preço dos bilhetes dos novos Coches não foi ainda divulgado – só será anunciado depois do despacho conjunto do secretário de Estado da Cultura e da ministra das Finanças, que estará assinado até sexta-feira – mas deverá ser um dos elementos chave num modelo de gestão que conta com uma grande participação de privados. Barreto Xavier não avançou grandes pormenores a respeito, mas anunciou que as estimativas de custos de funcionamento do museu passaram dos 3,3 milhões de euros iniciais para os 2,7, com um “índice de cobertura de 2,3 milhões”. Quer com isto dizer que os encargos do Estado com o novo museu rondarão os 400 mil euros/ano, praticamente os mesmos que os de 2014, último ano em que a colecção esteve instalada no picadeiro (custos de funcionamento de 950 mil euros, 500 mil dos quais assegurados por receita de bilheteira).
O secretário de Estado garantiu que este é “um cenário feito com base em previsões conservadoras” que partem de estimativas de 350 mil visitantes ano (em 2014 teve quase 207 mil). O aluguer de espaços a privados dentro e fora do museu – a praça poderá estar aberta a concertos, o auditório receberá conferências e outras iniciativas e o espaço de exposições temporárias poderá ter programação externa, embora sempre com o aval da direcção do museu – a restauração e as lojas serão importantes fontes de receita.
A descida dos custos de 3,3 para 2,7 milhões deve-se, garantiu o SEC, a uma optimização do modelo de gestão na relação com os privados e a uma redução do pessoal a contratar com o novo equipamento – o antigo e o novo museu funcionarão com um quadro de 62 funcionários, o que significa que se juntam apenas 30 aos actuais, e não 56, como chegou a estar previsto.
Respondendo ao PÚBLICO sobre o calendário da abertura – porquê agora, se ainda falta a museografia, quando já se esperou mais de dois anos? – Jorge Barreto Xavier lembrou que o novo conjunto arquitectónico vale por si só: “Já esperámos muito e esperar mais não se justificava. O novo museu, já o disse, é como a Casa da Música ou o Museu de Serralves – o exercício da arquitectura e o discurso da arquitectura são muito relevantes.” Instalar a museografia, assegura, não implica fechar o museu. “Mais uma vez digo – são questões de pormenor.” E a proximidade das eleições, sublinha, não tem nada a ver com o timing escolhido: “Podem fazer-se as interpretações que se quiser, mas se assim fosse, abrir agora ou em Setembro seria igual. Há mais de um ano que digo que quero abrir nos 110 anos do museu.”
No fim de semana de inauguração, 23 e 24 de Maio, a entrada é gratuita.