Reino Unido já vetou plano de quotas de refugiados na UE
O governo de Cameron lidera a oposição à ideia de obrigação para os Estados-membros partilharem o número de refugiados. Plano para atacar embarcações na Líbia enfrenta obstáculos na ONU.
O plano de Juncker, a ser apresentado esta quarta-feira, está a causar reacções fortes em Londres, onde um recém-eleito David Cameron tem na relação com a União Europeia um dos maiores desafios do seu mandato, já que defendeu que o Reino Unido se mantivesse numa União reformada (e prometeu um referendo). “Bruxelas força Grã-Bretanha a aceitar migrantes do Mediterrâneo”, era a manchete do diário The Times.
O Reino Unido processa cerca de 30 mil pedidos de asilo por ano, quando a Alemanha teve mais de 200 mil pedidos no ano passado, e deverá chegar a 400 mil este ano (para além de ter aceite 20 mil sírios ao abrigo de um programa de reinstalação do ACNUR). “O Reino Unido tem um historial de oferecer asilo a quem mais precisa, mas não acreditamos que um sistema obrigatório seja a resposta”, disse um porta-voz do Governo citado pelo site do Channel 4 da televisão britânica. “Vamos opor-nos a quaisquer propostas para uma quota não voluntária”.
“Juncker quer uma quota obrigatória, mas isto é visto como praticamente uma declaração de guerra em alguns Estados-membros”, disse um responsável europeu, sob anonimato, à agência AFP.
A ideia da Comissão seria planear a distribuição de refugiados tendo em conta vários factores como a população, o produto interno bruto, a taxa de desemprego, e número de refugiados já acolhidos pelos vários países. A proposta tem o forte apoio da Alemanha, país que tem recebido mais refugiados, dos países na “linha da frente” das chegadas por mar como Itália e Grécia, que há muito reclamam que o “fardo” seja “repartido” (actualmente os refugiados devem pedir asilo no país a que chegam, embora muitos continuem a viagem e acabem por seguir para outros países). França, que está sob pressão do partido anti-imigração Frente Nacional, declarou o seu apoio a um plano deste género.
A medida é justificada pela urgência do grande número de pessoas a tentar atravessar o Mediterrâneo: este ano estima-se que tenham morrido já mais de 1600 pessoas na tentativa – já perto do número total do ano passado, em que morreram ou desapareceram cerca de 1750 pessoas durante a travessia, segundo o ACNUR. A maior parte são sírios a fugir da guerra, mas há ainda muitos africanos (ertireus ou nigerianos, por exemplo), e afegãos.
Entre os países que se opõem a estas quotas estão o Reino Unido, a Irlanda, e alguns do Leste da Europa: Hungria, Eslováquia e Estónia, por exemplo. Destes, o que mais se ouviu foi Viktor Órban, o líder húngaro, que classificou a ideia como “louca”, “injusta” e “indecente”. “Esta não é uma altura para solidariedade”, disse recentemente Órban. “A imigração ilegal é crime.”
Destruir embarcações na Líbia
Com a questão da redistribuição dos refugiados a revelar-se tão polémica, a União Europeia está também a apostar noutra via: a de atacar os que lucram com as viagens e gerem redes que controlam os migrantes e os mandam nos barcos sobretudo na Líbia. O desafio legal e logístico é muito maior, as críticas das associações de defesa dos direitos humanos também, mas entre os 28 esta acção não provoca anticorpos.
A oposição está no Conselho de Segurança, onde a alta-representante para a política externa da União Europeia, Federica Mogherini, apresentou esta segunda-feira a ideia de levar a cabo “esforços sistemáticos para identificar, capturar e destruir embarcações antes que sejam usadas por traficantes”. Ainda não é claro como isto poderá ser feito, e o plano será analisado num encontro de ministros dos Negócios Estrangeiros no dia 18 de Maio.
“Esta não é apenas uma emergência humanitária, é também uma crise de segurança, porque as redes de traficantes estão ligadas a actividades terroristas e financiam-nas”, defendeu Mogherini, justificando a invocação do 7.º capítulo da carta da ONU que permite o uso da força para ameaças à paz.
Mas a Rússia, que tem poder de veto no CS, já defendeu que destruir embarcações seria “ir longe de mais”.
Mogherini disse ainda que a UE quer agir “em parceria” com as autoridades líbias. Estas estão divididas, mas aquelas que são reconhecidas internacionalmente já declararam a sua oposição ao plano europeu, que acham “muito preocupante”. “O Governo líbio não foi consultado pela UE”, queixou-se o embaixador do país na ONU, Ibrahim Dabbashi. “Não nos disseram quais são as suas intenções, que tipo de acções militares vão levar a cabo nas nossas águas territoriais…”, declarou à BBC. “Queremos saber como vão distinguir entre barcos de pescadores e de traficantes.” Também o grupo rival, que controla Tripoli, já prometeu ripostar contra qualquer acção militar.
Esta acção militar pode desestabilizar ainda mais a Líbia, argumenta a revista britânica The Economist. Os traficantes de pessoas podem usar embarcações menores, e ainda menos seguras para a longa viagem, para evitar ataques. Há ainda relatos de famílias que compram elas próprias barcos para não dependerem das máfias de transporte de pessoas. Organizações não governamentais perguntam o que aconteceria com aqueles que não conseguissem embarcar e fossem obrigados a ficar numa Líbia cada vez mais perigosa.
Responsáveis da Marinha falaram, pelo seu lado, num “valor limitado” desta ideia. Gerry Northwood, que foi chefe de operações da Operação Atalanta, iniciada em 2008 para combater a pirataria somali, sublinhou recentemente à BBC que as embarcações são “baratas e muito numerosas” e assim facilmente substituíveis. E os imigrantes que não consigam atravessar uma vez tentarão “uma terceira, quarta ou quinta vez.” Organizações como a Amnistia Internacional defendem que atacar os traficantes sem uma alternativa segura para as pessoas desesperadas por fugir não vai resolver o problema.
Em discussão entre os europeus está ainda a criação de modos de permitir pedidos de asilo ainda em território africano, mas esta ideia não levou ainda a propostas concretas. A localização de potenciais centros de processamento, assim como o tratamento que poderia ser dado aos candidatos a asilo em países conhecidos por pouco respeito de direitos humanos, causa preocupação.