E se houvesse uma "vacina" para os problemas de comportamento?
O programa “Anos Incríveis” não é "uma vacina milagrosa", mas produz efeitos positivos. A Universidade de Coimbra vai aplicá-lo em 60 jardins-de-infância com crianças em situação de desvantagem social e económica.
Entre os três anos e os seis anos de idade cerca de 5% das crianças apresentam sintomas clínicos de perturbações de comportamento. Nas famílias com problemas sociais e económicos a percentagem dispara para os 20%, com uma agravante – a probabilidade de estas perturbações virem a traduzir-se em problemas sérios, anos depois, é alta. É com base nestes dados e na evidência científica de que é possível intervir – segundo revelam os resultados do programa “Anos Incríveis”, aplicado há 40 anos nos Estados Unidos da América e replicado noutros países – que a investigação em curso se iniciou em 2003, em Portugal.
Projectos desenvolvidos anteriormente pelas investigadoras Filomena Gaspar e Maria João Seabra Santos, primeiro com pais de crianças com problemas de comportamento vulgares e, depois, com os de meninos e meninas já com sintomas clínicos de perturbações do mesmo género, provaram que também em Portugal é possível obter melhorias promovendo aquilo a que se chama a “parentalidade positiva”. Isto pode traduzir-se, explica Filomena Gaspar, da FPCE, por aplicação, de forma consistente e persistente, de estratégias de educação que promovem os bons comportamentos e desincentivam as atitudes de oposição, de desafio e de agressividade das crianças.
Uma dessas estratégias – que fez títulos de jornais quando terminou um dos projectos desenvolvidos, em 2013 – é dedicar às crianças dez minutos de "atenção positiva", por dia, todos os dias. Dez minutos em que os pais não estão a fazer perguntas ou a tentar ensinar (os números, as cores, os dias da semana ou os meses) mas a escutar os filhos e a brincar segundo as suas regras e ao seu ritmo. “É muito mais tempo do que os pais concedem, normalmente, às crianças, e impede que elas ajam da forma que é mais frequente: tentando conquistar essa atenção com birras e desafiando a autoridade dos pais”, nota Filomena Gaspar.<_o3a_p>
O elogio como estratégia
Aquela rotina constitui a base de sustentação de uma série de outras estratégias e visa evitar que a criança teime em tornar-se o centro das atenções dos pais (e também dos educadores de infância e dos colegas) pelos maus motivos. A partir daí, e numa segunda fase, definiu a investigação, há que reforçar os comportamentos positivos, através do elogio; e, ao mesmo tempo, estabelecer as regras de forma clara e pela positiva. <_o3a_p>
“Uma criança normalmente inquieta perceberá melhor o que se espera dela se os pais a elogiarem por estar algum tempo sossegada a desenhar, por exemplo; e também se em vez de ouvir constantemente 'não corras' e 'não berres' receber indicações, dadas de forma firme, mas serena, educada, de que deve andar devagar e falar baixinho e por quê”, exemplifica a investigadora.<_o3a_p>
No plano de formação de “Os anos incríveis” os adultos aprendem, ainda, que devem evitar os castigos. A estratégia correcta é dar às crianças a oportunidade de escolha, tempo para reflectir e, depois, aplicar consequências com firmeza, se elas optarem pelo comportamento negativo. <_o3a_p>
Um exemplo, aponta Filomena Gaspar: “Se não comeres a sopa vais para a cama imediatamente, sem brincar. Se a criança escolher a primeira opção, deve realmente ir para a cama logo. Aprenderá, aos poucos, que tem o poder de escolha e que é responsável pelas consequências”. No caso das birras, a regra é ignorar: “Se a criança chorar durante hora e meia chora. O importante é que não perceba que através delas pode captar a atenção e manipular o adulto”.<_o3a_p>
Evitar que pais sejam modelos desregulação
A questão, segundo as coordenadoras do programa em Portugal, é que, em famílias em circunstâncias de desvantagem social e económica, os próprios pais, devido a vários factores, entre os quais o stress, têm muita dificuldade em auto-regular o seu comportamento: “Não só são incapazes de aplicar as estratégias como se tornam um modelo de desregulação, criando círculos viciosos de desvantagem social que são muito difíceis de quebrar”.<_o3a_p>
Daí a opção, no caso do novo projecto, por intervir também junto dos educadores de infância e dos técnicos dos centros de saúde. “Por um lado, está provado que os resultados são melhores quando os educadores de infância são envolvidos, por outro, esta é uma forma de difusão das estratégias dos educadores de infância (em relação aos seus pares e aos pais) e dos técnicos de saúde (relativamente às famílias que acompanham e das quais, muitas, vezes são os principais conselheiros)”, justifica Filomena Gaspar. <_o3a_p>
A investigadora realça que o programa “não é uma vacina milagrosa”, “mas tem resultados francamente positivos” que, segundo estudos de seguimento, se mantêm ao longo de anos e têm reflexos directos no comportamento e indirectos em diversas áreas como, por exemplo, o sucesso escolar.
A dificuldade em envolver os pais é um dos maiores obstáculos à promoção de programas como o que agora foi financiado em 295 mil euros pelo European Economic Area Grants, revelam as investigadoras da Universidade de Coimbra. “É preciso que tenham noção de que muitas vezes a origem dos problemas de comportamento dos filhos está neles próprios e não nas crianças" "e esse é um passo que", segundo Filomena Gaspar, nem todos estão dispostos a dar.
Os pais que for possível motivar vão participar em sessões de duas horas, uma vez por semana, ao longo de 14 semanas. A partir de Outubro serão promovidas acções de formação para técnicos dos centros de saúde e terá início a primeira de duas séries de seis workshops, ao ritmo de um por mês, em que vão participar, no total, 60 educadores de infância. Os estabelecimentos de ensino a que estes pertencem serão seleccionados com o apoio da Associação Nacional de Intervenção Precoce e da Escola Superior de Educação de Coimbra.