Podemos espanhol apresenta programa de “resgate ao cidadão”
Reacções mais críticas ao partido de Iglesias vieram de Rivera, líder dos Cidadãos. A menos de três semanas das eleições regionais e locais, ambos se enfrentam numa guerra sem tréguas pelo monopólio do discurso da mudança.
A maioria dos títulos da imprensa espanhola sublinha “o esquecimento” de algumas medidas de ruptura. Mas, numa análise assinada no El País, Javier Ayuso defende que o partido de Pablo Iglesias regressou “às origens depois de um longo caminho de idas e voltas até à centralidade do tabuleiro político”. O exemplo maior desse regresso ao espírito fundador, faz notar o mesmo diário, é “a bateria de propostas dedicada ao ‘resgate cidadão’”.
São “215 medidas para um projecto de país” as que foram apresentadas no Teatro Fernando de Rojas do Círculo de Belas-Artes de Madrid, um encontro aberto aos jornalistas, cheio de público, com um palco onde estiveram e falaram 23 líderes e candidatos do partido a todas as comunidades autonómicas.
Iglesias guardou para si a proposta de lei 25 de emergência social, numa referência ao artigo 25 da Declaração Universal de Direitos Humanos sobre a vida digna dos cidadãos. Esta “medida estrela” inclui o compromisso de “paralisar os despejos que afectem os devedores de boa-fé que não puderam pagar as suas hipotecas por enfrentarem dificuldades económicas”. Ao longo de 2014, quase 36 mil famílias foram obrigadas a sair das suas casas por incumprimento das hipotecas bancárias.
Dos quatro blocos em que se divide o programa (que ainda será desenvolvido com textos sobre as diferentes regiões e documentos a atestar a viabilidade económica das propostas), o primeiro é o dedicado ao “resgate cidadão”, em que se inclui a possibilidade de acordo entre devedor e bancos, mas desaparece a dívida eterna (o que falta pagar do empréstimo, independentemente do valor real do imóvel) que actualmente os despejados carregam consigo.
Por outro lado, o partido retira do programa com se estreou nas europeias de há um ano o “rendimento mínimo universal”, substituindo-o por um plano de rendimento mínimo de inserção que visa aproximar este subsídio do salário mínimo. E reduz os impostos para quem ganha menos de 25 mil euros anuais, aumentando o cobrado a quem ganhe mais de 50 mil. O fornecimento de gás e electricidade voltam a ter carácter de “serviço público” e há um “mínimo vital” destes dois serviços que passa a ser assegurado pelo Estado.
Novos já contam
As mensagens do partido que em Novembro surpreendeu, ao saltar para o primeiro lugar nas intenções de voto nas sondagens às legislativas previstas para Dezembro, dirigem-se aos mais castigados pela crise, mas não deixam de falar aos chamados "eleitores do centro", o eleitor médio tradicional dos socialistas, que nenhum partido pode ignorar, se quer ganhar eleições – mesmo neste novo cenário em que o bipartidarismo de sempre foi substituído por uma previsível e inédita fragmentação de voto.
Se Iglesias passou meses a interpelar directamente o primeiro-ministro da direita, Mariano Rajoy, e depois o novo líder do PSOE, Pedro Sanchéz – sem possibilidade de se lhes dirigir directamente, no Congresso ou em debates, tentava roubar-lhes o palco com iniciativas próprias –, agora parece ser chegado o tempo da guerra aberta entre o Podemos e o outro partido sensação da política espanhola, o Cidadãos (que concorre em todo o país, depois de anos como partido catalão).
Ambos representam a mudança que os espanhóis dizem desejar. O Podemos rouba votos à esquerda e à abstenção, o Cidadãos ao PP e ao PSOE. “Tenho a sensação de que o Podemos é um partido que se rege basicamente pelos inquéritos e vai mudando as suas propostas e mensagens em função disso”, acusou o líder dos Cidadãos, Albert Rivera.
As declarações de Rivera, o primeiro a reagir às propostas de Iglesias, podem explicar-se com… as sondagens. As duas forças emergentes conseguem atrair eleitorado tradicional dos dois partidos que têm alternado no poder, mas também já disputam eleitores, o grupo de “indignados urbanos”, desejosos de castigar PP e PSOE pela gestão da crise.
O partido de Riveras, ora terceiro, ora quarto nas sondagens para as legislativas, diz ver no Podemos “um partido novo com soluções velhas”; Iglesias vê nos Cidadãos uma cara nova “para o mesmo de sempre”.
Em breve, e muito antes das parlamentares, as contas a fazer depois das eleições de 24 de Maio serão muitas e não serão fáceis. Os dois partidos, que na Andaluzia impediram até agora que a socialista Susana Díaz forme governo e seja confirmada como presidente da região (depois das eleições de 22 de Março), vão ter de decidir se estão dispostos a negociar com os partidos tradicionais e, com isso, arriscar perder eleitorado a nível nacional.
Madrid será um dos palcos da disputa eleitoral deste mês – de acordo com as sondagens mais recentes, o PP vai perder a maioria absoluta e talvez o governo da comunidade e da câmara. Neste cenário, se os socialistas negociassem uma coligação com o Podemos e a Esquerda Unida ultrapassariam uma eventual aliança entre o PP e os Cidadãos, de Rivera. Por outras palavras, falta muito para as legislativas, mas os novos partidos do tabuleiro político espanhol já contam e não é pouco.