Baleias rorquais conseguem esticar os nervos da língua para o dobro
Espécies como a baleia-comum ou a baleia-de-bossa alimentam-se engolindo grandes quantidades de água que contêm pequenos crustáceos. Para isso, têm pregas na região ventral do corpo que expandem. Agora descobriu-se que os nervos da língua e do ventre acompanham esta expansão.
É a primeira vez que se encontra este tipo de nervos elásticos em vertebrados, anuncia um estudo, publicado esta segunda-feira na revista Current Biology, de uma equipa de cientistas da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá.
Esta espécie de papo enorme é uma das características mais importantes dos rorquais, o grupo das maiores baleias do mundo, onde se inclui a baleia-azul (Balaenoptera musculus) – o maior animal conhecido que alguma vez viveu na Terra e cuja língua é do tamanho de um elefante –, a baleia-comum (Balaenoptera physalus) ou a baleia-de-bossa (Megaptera novaeanglieae). “Rorqual” deriva da palavra norueguesa “rorhval”, que significa “ruga” e refere-se às pregas destas baleias, que vão desde o início da mandíbula até à região das barbatanas, e lhes permitem engolir um volume de água tão grande ou maior que o volume do seu próprio corpo.
“As baleias rorquais alcançaram um tamanho corporal muito grande graças à evolução de um mecanismo de filtragem para se alimentarem”, explica Wayne Vogl, um dos autores do artigo e professor na Universidade da Colúmbia Britânica, citado num comunicado do grupo editorial Cell Press. “Mas este mecanismo necessitou de grandes mudanças na anatomia da língua e das pregas ventrais para permitir uma grande deformação [dos tecidos]. Agora descobrimos que também foram necessárias grandes alterações nas estruturas dos nervos para que conseguissem aguentar aquelas deformações.”
Nos animais, uma das funções mais importantes dos nervos é activarem os músculos. Por isso, com algumas excepções em animais invertebrados, os nervos não são feitos para esticar. Quando isso acontece, devido a algum movimento súbito, ocorrem frequentemente danos no tecido nervoso. “De facto, danos nos nervos por estiramento é um dos tipos mais comuns de traumas nos humanos. Estes danos provocam dores, paralisia, perda de sensação, atrofia muscular”, explicam os autores no artigo.
Assim, quando um dos investigadores da equipa de Wayne Vogl pegou numa espécie de cordão branco, de uma baleia rorqual, e o esticou para o dobro do tamanho, e quando o grupo compreendeu que estava na presença de um nervo, a surpresa foi geral. “Estes grandes nervos esticam-se e encolhem-se como se fossem cordas de bungee-jumping”, relata o investigador.
Para compreender melhor a fisiologia dos nervos destas baleias, a equipa comparou a elasticidade de quatro nervos diferentes da baleia-comum. Dois estão situados na região do corpo que se expande: o nervo da língua e o nervo ventral na região das pregas. E outros dois encontram-se em regiões do corpo que não passam por este processo de dilatação: o nervo frénico (que vai da coluna vertebral até ao diafragma) e o nervo intercostal (situado entre as costelas).
Ao esticarem cada um dos quatro nervos, os cientistas verificaram que, em média, o nervo da língua cresceu 115%, podendo passar de 14 para 34 centímetros. O nervo ventral também cresceu bastante, até 75% mais do que o seu comprimento em descanso. Mas o nervo frénico esticou apenas 18% e o intercostal não foi além dos 12%.
Depois, os cientistas analisaram os tecidos que formam aqueles nervos para compreenderem a origem da elasticidade. O nervo intercostal da baleia é composto por uma camada externa de colagénio, uma fibra com pouca capacidade para ser esticada. No interior deste nervo, estão fibras nervosas já esticadas, o que não permite uma grande elasticidade.
O nervo da língua e o nervo ventral são completamente diferentes. A parte exterior dos nervos é formada por uma camada grossa de fibras de colagénio e elastina, esta última capaz de esticar. Já no interior, estão as fibras nervosas, mas, em vez de estarem esticadas, encontram-se dobradas. Por isso, quando um nervo destes é esticado, estas fibras desdobram-se até ficarem puxadas. Ainda assim, há um limite máximo para a elasticidade destes nervos. Depois, quando deixa de haver a força que provoca a distensão, as fibras nervosas voltam ao lugar e ficam, de novo, dobradas.
“Esta descoberta mostra o quão pouco sabemos sobre a anatomia básica dos maiores animais dos oceanos”, sublinha Nicholas Pyenson, outro cientista da equipa, citado num comunicado da Universidade da Colúmbia Britânica. “E é mais uma característica que se pode juntar à crescente lista de soluções evolutivas que as baleias encontraram para responder aos novos desafios que foram encontrando no ambiente marinho ao longo de milhões de anos.”