Violência em protesto de etíopes de Israel contra o racismo
Governo tenta acalmar comunidade após manifestações em Telavive que terminaram com pelo menos 46 polícias e sete manifestantes feridos. Outros 26 foram detidos. A sociedade israelita, diz o ministro da Economia, deve fazer “um exame sério de consciência”.
O primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, condenou o espancamento do soldado mas avisou a população para permanecer calma e não “tentar fazer justiça pelas próprias mãos”. Em cima do prazo para formar governo, na sequência das eleições de Março, Netanyahu vai nesta segunda-feira encontrar-se com o soldado que aparece no vídeo, reunir-se com responsáveis dos serviços de segurança e de imigração e com activistas etíopes.
Os protestos de domingo começaram pacíficos, com milhares de pessoas a desfilarem de braços no ar e mãos juntas, como se algemadas, três dias depois de uma concentração em Jerusalém que também degenerou em violência. A polícia diz que entre os manifestantes havia gente interessada em provocar um motim e que não foi possível controlar a multidão. Foram disparados canhões de água e granadas de gás lacrimogéneo contra os manifestantes, que responderam lançando pedras, garrafas e até cadeiras contra os agentes, alguns deles a cavalo.
Pelo menos 46 polícias e sete manifestantes ficaram feridos. As autoridades detiveram 26 pessoas nos mais violentos protestos de que a cidade de Telavive é palco em anos.
“A ordem deve ser mantida, mas também devemos procurar soluções para os problemas que surgiram assim de forma tão dolorosa”, disse o ministro israelita da Economia, Naftali Bennett, depois de se encontrar com manifestantes no local onde os confrontos tiveram lugar. A sociedade israelita, defende Bennett, deve fazer “um exame sério de consciência”.
“Os nossos pais foram humilhados durante anos. Nós não estamos dispostos a esperar mais para sermos reconhecidos como cidadãos com igualdade de direitos”, disse um manifestante ouvido pelo Canal 10 da televisão israelita. “Pode demorar alguns meses, mas vai acontecer.” Outra manifestante que não quis ser identificada disse ao Canal 2: “Já não vou tolerar este comportamento da polícia. Não consigo confiar mais neles… quando vejo um, cuspo no chão”.
Entre os milhares de manifestantes, centenas de israelitas não etíopes quiseram apoiar os seus compatriotas e levaram faixas onde se lia “um polícia violento deveria ser julgado” ou “exigimos igualdade dos direitos”.
“Eu sou negro, é por isso que me manifesto. Nunca experimentei pessoalmente a violência policial, mas ela atinge a minha comunidade”, disse à AFP Eddie Maconen, de 34 anos, que veio da Etiópia há três. “Eles têm 100% razão”, afirmou, por seu turno, Zion Cohen, que veio apoiar a comunidade etíope. “Israel é um país racista e não podemos aceitar isso.”
Dezenas de milhares de judeus etíopes foram levados de avião para Israel em operações secretas nos anos 1980 e 1990, para escaparem à fome e à guerra civil, depois de um rabi ter declarado que eram descendentes directos de uma das tribos bíblicas de Israel, um reconhecimento tardio. À sua chegada, em 1984 e depois em 1991, enfrentaram um enorme fosso cultural e a integração nunca deixou de ser difícil. Telavive organizou desde então várias pontes aéreas para enfrentar a pressão demográfica palestiniana.
Mais de 130 mil judeus etíopes vivem hoje em Israel, entre uma população de oito milhões, e continuam a queixar-se de discriminação e racismo – e da consequente pobreza para que muitos se sentem empurrados. Os últimos grandes protestos da comunidade tinham acontecido em 2012, depois de alguns senhorios se terem recusado a alugar casas a judeus etíopes.
De acordo com o Projecto Nacional Etíopes, uma ONG que ajuda os judeus etíopes em Israel, o rendimento dos judeus etíopes é consideravelmente inferior ao do resto da população e os membros da comunidade têm muito mais probabilidades de acabarem na prisão ou de não conseguirem prosseguir os estudos. Apesar de haver etíopes eleitos deputados e com altas patentes no Exército, formado por todas as comunidades do país, as estatísticas oficiais mostram que um agregado familiar etíope ganha menos 35% do que a média nacional e só metade dos etíopes termina o liceu – a média da população é de 63%.