E se comprar um visto em vez de pagar a um traficante for a solução?

Para acabar com o negócio das máfias que semeiam cadáveres no Mediterrâneo, a UE devia abrir-se à imigração, dizem os especialistas. Os líderes da UE continuam a falar em repressão.

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"Direito a fugir", dizem os cartazes destes manifestantes que protestaram em Roma contra a agência de fronteiras europeia FILIPPO MONTEFORTE/AFP

Mas tudo começa no que irão de facto discutir os governantes. “O problema actual é a ausência de uma política comum de asilo e de imigração na Europa. Para combater estas vagas humanas que parecem imparáveis – só este ano, 36 mil pessoas terão já tentado cruzar o Mediterrâneo, diz a ONU, a maior parte a partir da Líbia –, o mais sensato seria abrir as portas da Europa", afirmou ao PÚBLICO François Gemenne, do Centro de Estudos e de Investigação Internacional do Instituto de Ciências Políticas de Paris (Sciences Po).

Duas economistas francesas, Emmanuelle Auriol, da Escola de Economia de Toulouse, e Alice Mesnard, da City University de Londres, têm uma proposta concreta­: por que é que os Estados não vendem vistos de entrada para imigrantes, por um lado, e por outro aumentam a repressão sobre os traficantes? Mas também sobre os empregadores, para que não contratem imigrantes ilegais, de forma não declarada.

“A nossa proposta não entra em contradição com a política actual da União Europeia, que assenta na repressão da imigração ilegal. Mas reconhece que só com repressão não será possível livrarmo-nos deste problema, pois a repressão é potenciadora do tráfico. Há uma grande procura da imigração para a Europa, que não é legal, por isso o contrabando de pessoas é um negócio lucrativo”, explicou ao PÚBLICO Alice Mesnard.

 “Um terceiro pilar desta proposta seria sancionar os patrões que contratam imigrantes ilegais”, tanto para desincentivar o negócio da imigração ilegal como para travar o afluxo de imigrantes.

Apesar de vários especialistas em imigração sublinharem que a mera repressão já deu provas de ter falhado, a julgar pelos planos traçados no início da semana pelos ministros dos Negócios Estrangeiros europeus, a reunião desta quinta-feira deve continuar a centrar-se neste eixo. David Cameron, o primeiro-ministro britânico, afirmou que é preciso impedir que os imigrantes se façam ao mar, para “pôr fim a estes cargueiros da morte”.

Ideias feitas
“Encerrar as fronteiras não serve para nada, não acaba com os fluxos migratórios: simplesmente torna-os mais perigosos”, afirma François Gemenne. “A Europa continua a ser um destino muito atractivo para os migrantes, que são cada vez mais numerosos por causa da multiplicação das crises. Portanto, há duas tendências fundamentalmente contraditórias, e que criam um negócio lucrativo para os traficantes”, sublinha este especialista em imigração.

“Os dramas da imigração no Mediterrâneo são em grande parte o resultado das políticas europeias, que não permitem vias legais de acesso à Europa”, declarou. “O único denominador comum é a vigilância e o controlo das fronteiras, que se tornaram o alfa e o ómega da política de imigração europeia. Ao contrário do que se diz frequentemente, a abertura de fronteiras não provocaria um afluxo maciço de migrantes. Não é abertura ou o fecho de fronteiras que provoca os grandes movimentos migratórios”, diz Gemenne, que participa numa investigação internacional sobre as consequências da liberalização das fronteiras em cinco zonas geográficas, no âmbito do projecto MobGlob (Mobilidade Global e Governação das Migrações).

Auriole e Mesnard reconhecem que, para que a sua ideia de vender vistos de imigração funcionasse, os governantes teriam de ter a coragem de enfrentar um ambiente político que se tornou tóxico, com o crescimento de partidos de extrema-direita e anti-imigração.

Gemenne não gosta particularmente da ideia de vender vistos – “é uma proposta demasiado neoliberal, que favoreceria os imigrantes mais abonados”, diz –, mas concorda que as sociedades europeias se tornaram muito pouco receptivas à imigração. “É difícil mudar as ideias feitas sobre a imigração. Há uma grande diferença entre as realidades e as percepções públicas sobre os imigrantes, que muitas vezes são alimentadas por mentiras. E muitas políticas são decididas em função das percepções, e não sobre a realidade”, diz François Gemenne. “Os partidos de extrema-direita conseguiram impor a sua agenda política e mediática sobre a imigração, o que é uma derrota considerável para a democracia.”

Alice Mesnard vê a discussão presa sobre o mesmo eixo. “As primeiras discussões na UE continuam a tentar externalizar o problema, empurrá-lo para as fronteiras”, diz. “A nossa proposta é realista. O que não é realista é pretender empurrar todos os imigrantes de volta para o mar.” É preciso não esquecer que esta é também uma questão de direitos humanos, sublinha: “Estas pessoas estão desesperadas e estão a ser exploradas por máfias. Mas os imigrantes podem pagar impostos, ter os seus direitos legalmente reconhecidos. Não podemos é continuar a fechar os olhos, com as pessoas a morrer.”

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