Cameron ressuscita a "democracia de proprietários" de Thatcher
Programa eleitoral dos conservadores britânicos põe de lado a austeridade e namora os eleitores mais pobres com políticas sociais.
Legislar para que as pessoas que vivem em casas sociais geridas pelas associações de habitação – organizações sem fins lucrativos, independentes mas reguladas pelo Estado e que costumam receber financiamento público – possam comprar o local onde moram com descontos foi uma das principais promessas de Cameron, que recupera um programa de Thatcher.
A ideia dos actuais tories é que os 1,3 milhões de famílias que vivem nestas casas com rendas baixas possam comprá-las com um bom desconto – aumentando assim o número de proprietários. Além disso, por cada casa destas vendida, terá de ser construída uma nova.
“Este manifesto eleitoral retoma os Grandes Êxitos de Thatcher – mas limpar o pó às velhas políticas do tempo do vinil pode não funcionar num iPod eleitoral 35 anos depois”, comentou Polly Toynbee, colunista de política do jornal The Guardian. A ideia começou a ser criticada logo que foi apresentada por Cameron. “”Em 1979, a ideia da democracia centrada nos pequenos proprietários serviu para pôr de lado o estatismo omnipresente – mas após cinco anos de uma austeridade que reduziu o Estado ao mínimo, com toda a gente a pensar na falta de casas, Cameron ignora que a música mudou”, concretiza ainda Toynbee.
No entanto, o esforço do primeiro-ministro foi afastar a imagem dos tories como o “partido dos ricos”, que os trabalhistas lhe querem colar para as eleições de 7 de Maio. Em vez disso, diz que o Reino Unido está “prestes a alcançar algo especial” e apresenta os tories como “o verdadeiro partido dos trabalhadores, que vos oferece segurança em todas as fases da vida”.
A “boa vida” de que fala Cameron inclui promessas eleitorais para conquistar eleitores que vivem com dificuldades – parece até que os conservadores tinham trocado de programa com os trabalhistas, que apresentaram o seu programa eleitoral na segunda-feira, pondo o acento tónico na redução do défice, tema habitual da direita.
Assim, Cameron afirmou que “sustentar uma família não deve ser uma luta permanente com as contas” e que quem ganhar o salário mínimo não pagará impostos. Por outro lado, oferecerá 30 horas por semana gratuitas de jardim-de-infância às famílias com filhos entre os três e os quatro anos – uma duplicação do tempo actualmente concedido.
Parecem promessas que os trabalhistas fariam. “Claro que há um motivo para os tories e os trabalhistas tentarem parecer-se cada vez mais uns com os outros. Os dois partidos estão empatados nas sondagens e nenhum está confiante de que conseguirá formar um governo maioritário”, explicou Nick Robinson, editor de política da BBC. No entanto, uma sondagem TNS divulgada nesta terça-feira dá 34% aos conservadores e 32% aos trabalhistas, registando um crescimento de quatro pontos para os tories em relação à última sondagem desta empresa.
Mas o programa dos tories reflecte a insegurança sobre os resultados eleitorais, nota Nick Robinson: “Desapareceu a ‘era da austeridade, das luzes vermelhas a piscar'. O que não especifica é quem é que vai pagar tudo isto. Que orçamentos é que vão ser cortados (da polícia, das universidades, das autarquias...)?”