Estado gastou 4400 milhões em subvenções públicas num ano
Relatório das Finanças, divulgado com mais de um ano de atraso, revela aumento de 130% nos beneficiários destes auxílios, fruto de alterações legais.
O documento que consta no site da IGF é uma mera síntese de quatro páginas sobre as subvenções atribuídas, não tendo ainda sido divulgadas as listagens completas que elencam os beneficiários, como instituições de solidariedade social ou empresas privadas, e o valor dos apoios concedidos. Mas o relatório permite já concluir que, face a 2012, o valor global destes auxílios, que são atribuídos para prestar apoio financeiro ou, na maioria dos casos, para pagar por serviços que o Estado delega, disparou de 2241 para 4289,5 milhões, no espaço de um ano.
A par deste incremento de 96% no valor das subvenções, também o número de entidades que recebem estas verbas cresceu de 17.542 para 40.986, entre 2012 e 2013. E o número de entidades que as concedem subiu 360% – de 117 para 534. Como consequência, o peso destes auxílios no total da despesa consolidada do Estado, de acordo com cálculos da IGF, escalou de 2,86% para 5,2%.
O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças sobre as razões que estão por detrás destes aumentos, mas não foi possível obter uma resposta até ao fecho desta edição. De qualquer forma, esta tendência não poderá ser dissociada do facto de o Governo ter introduzido, em 2013, alterações ao regime de controlo e divulgação das subvenções.
Pela mão do ex-secretário de Estado da Administração Pública, Hélder Rosalino, entrou nesse ano em vigor um diploma que veio alargar o número de entidades públicas obrigadas a declarar estes apoios. Passaram, por exemplo, a estar abrangidas as autarquias, as empresas públicas e os reguladores, quando antes a lei se cingia aos serviços e organismos da administração directa do Estado. Por outro lado, o universo de subvenções também foi dilatado, passando a estar abrangidas verbas que antes estavam excluídas, como os benefícios fiscais ou as garantias pessoais do Estado. Outra alteração importante foi a redução do tecto mínimo a partir do qual o apoio tem de ser declarado, que passou de três anualizações do salário mínimo nacional para apenas uma.
IGF detecta falhas
Estas mudanças resultaram, inevitavelmente, numa subida expressiva do valor das subvenções atribuídas, embora não viessem retirar ao Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social o primeiro lugar no ranking de entre as diferentes tutelas do Governo, com 2354,5 milhões de euros concedidos em 2013 (contra os 1304 milhões do ano anterior). Isto porque é também um organismo do ministério de Pedro Mota Soares, o Instituto da Segurança Social, que mantém a posição cimeira na lista de maiores concedentes: 1340,5 milhões (que comparam com os 1293 milhões de 2012).
Mas estes rankings só não sofreram mexidas nos primeiros lugares, já que, dentro da estrutura do Governo, a Presidência do Conselho de Ministros (561 milhões concedidos) roubou o segundo lugar ao Ministério da Educação e Ciência (530,6 milhões), que em 2013 surge no terceiro posto – ocupado um ano antes pelo Ministério da Economia e do Emprego.
Já na lista das entidades que mais concederam estes apoios, o segundo lugar coube em 2013 ao Programa Operacional Potencial Humano (598,1 milhões) e o terceiro ao Instituto Financeiro para o Desenvolvimento Regional. Em 2012, estavam nestas posições a Fundação para a Ciência e a Tecnologia e o Instituto do Emprego e Formação Profissional.
Já o ranking dos maiores beneficiários sofreu uma reviravolta total. A gestora aeroportuária ANA consta, em 2013, como a líder da tabela, tendo recebido 81,6 milhões de euros. Seguem-se a Caixa Económica Montepio Geral (62,5 milhões) e a Empresa Portuguesa de Águas Livres (46,8 milhões). No relatório, era associado um asterisco a estas três entidades, mas a nota explicativa não consta em nenhuma das quatro páginas. Também não foi possível obter uma justificação do Ministério das Finanças para o facto de estas três entidades terem substituído, de um ano para o outro, os beneficiários que em 2012 estavam nos três primeiros lugares do ranking: Cruz Vermelha, Escola Nacional de Bombeiros e Associação Jardins Escola João de Deus.
Na manhã desta terça-feira, a IGF alterou o relatório e incluiu uma nota explicativa para as subvenções concedidas à ANA, à Caixa Económica Montepio Geral e à Empresa Portuguesa de Águas Livres, no qual se lê "nestes casos, estão fundamentalmente em causa garantias pessoais". Não é dada qualquer outra justificação.
Num esclarecimento enviado ao PÚBLICO, a ANA explica que o valor reportado pela IGF está repartido em duas fatias: 79,4 milhões relativos a "garantias prestadas pelo Estado ao Banco Europeu de Investimento", que já foram "liberadas em 2014, na sequência da privatização" da empresa. Os restantes 2,2 milhões referem-se a "transferências feitas pelo Turismo de Portugal para a ANA para desenvolvimento de rotas", no âmbito do antigo programa Iniciativa.pt, em que aquela entidade pública comparticipava uma fatia dos fundos concedidos às companhias de aviação.
Mas, se as mudanças legislativas tiveram impacto a este nível, o mesmo não se poderá dizer nos prazos a cumprir pela IGF. Com a nova lei, este organismo passou a estar obrigado a divulgar a listagem completa das subvenções públicas até ao final de Fevereiro. Ou seja, já deveria ter disponibilizado os dados de 2014.
Na síntese que publicou entretanto no site, depois de o Jornal de Negócios ter dado conta deste atraso, a IGF reporta que pelo menos oito entidades concederam apoios sem que estivesse prevista essa possibilidade nos seus estatutos e que nove dos maiores concedentes não reportaram as verbas pagas no seu site, como estão obrigados por lei. O organismo refere que fez uma série de recomendações ao Governo, de entre as quais “a criação de um quadro jurídico disciplinador do processo de concessão de auxílios públicos”, que complemente a nova lei de 2013.