Uma greve marcada pelo árbitro
Quando o pré-aviso da greve foi emitido, a CP propôs a realização de serviços mínimos, e a análise foi, via Conselho Económico e Social, para tribunal arbitral. João Leal Amado, árbitro presidente, considerou então que não se justificava haver serviços mínimos. Isto porque não havia lugar ao isolamento de populações, há alternativas de circulação e “existirá sempre, em última instância, a possibilidade de recurso a viaturas particulares”.
Confesso que me perco nesta linha de raciocínio. Se estamos a falar em autocarros, demoraria muitas horas e dinheiro a andar às voltas entre, por exemplo, Cascais e Lisboa. Táxi é incomportável para muitos passageiros e o acórdão parece sugerir que todos temos um automóvel (ou isso, ou que os outros automobilistas têm a obrigação de dar boleia a quem quer que seja).
Para João Leal Amado, que evidencia a existência de “uma margem de subjectividade decisória”, só estariam em causa as “necessidades sociais impreteríveis” se a greve se prolongasse “por muitos dias ininterruptos” ou se fosse uma paralisação de todos os transportes colectivos. Mas aqui, se formos pela lógica do acórdão, não há isolamento e haveria sempre o recurso às viaturas particulares.
Depois, numa análise que revela uma visão de lei da selva, escreve-se que os serviços mínimos são utilizados pelos “mais lestos e «agressivos»” e não pelos mais carenciados. A ser assim – e não creio que seja um retrato totalmente fiel –, é preciso é evitar que isso aconteça.
“Prejuízo” e “transtorno”, diz João Leal Amado, são inerentes a uma greve. Certo. Já seriam se houvesse serviços mínimos. Mas a sua decisão fez realçar esse efeito. No final, quem marcou esta greve, numa fase em que as paragens são já quase banais, não foi o sindicato, mas sim o árbitro presidente.