"Procuro imagens que me façam sentir feliz, triste, culpado"
Yannis Behrakis, fotojornalista da Reuters há quase 30 anos, integra o júri da 6.ª edição do Prémio de Fotojornalismo Estação Imagem. Os vencedores são conhecidos este mês.
Miguel era recepcionista num hotel. Stephanos trabalhava numa loja de roupa no centro de Atenas. Dimitrios era dançarino num grupo de folk. Os hotéis faliram, as lojas fecharam, os empregos desapareceram. Quando em 2008 a crise financeira explodiu na Grécia, muitos gregos viram as suas vidas desmoronar. Com o desemprego como maior flagelo, muitos deixaram de poder satisfazer necessidades básicas como pagar a renda, a electricidade, a conta do supermercado. De acordo com a organização não-governamental grega Klimaka (que dá assistência a entre 150 e 200 sem-abrigo diariamente) 6 em 10 sem-abrigo perderam a casa desde o início da crise. Mais de 40% têm filhos. Ainda que não tivesse as estatísticas na cabeça, Yannis Behrakis, 55 anos, não ficou indiferente o que se passava à sua volta quando regressou a Atenas em 2010, depois de vários anos a viver e trabalhar fora da Grécia como fotojornalista da Reuters. “Fiquei em choque e de algum modo em negação, mas rapidamente percebi a magnitude do que estava a acontecer”, explica Yannis ao PÚBLICO, numa conversa via email.
Nos últimos 25 anos, Yannis Behrakis fotografou quase todos os grandes acontecimentos internacionais : as guerras na Croácia, Tchetchénia, Somália, no Kosovo, Afeganistão, Líbano. Em 2000, escapou à morte na Serra Leoa num ataque a um grupo de jornalistas, mas perdeu dois colegas de profissão. Em 2008, tinha-se mudado para Jerusalém como delegado da Reuters para Israel e Palestina. Dois anos depois, de volta a Atenas, mergulhou também ele nas consequências de uma crise que o apanhou de surpresa. A mulher, médica, esteve desempregada durante 2 anos até encontrar emprego numa clínica privada (onde o salário chega com 3 a 5 meses de atraso). “90% dos meus colegas fotojornalistas ficaram sem trabalho e só com ajuda conseguiram sobreviver no dia-a-dia. Um primo meu, por exemplo, tinha um negócio de vestidos de noiva que foi a falência e perdeu tudo”, conta.
Em 2012, Atenas começou a enfrentar o número crescente de sem-abrigo nas ruas. “Para mim foi uma vergonha ver pessoas a viver e morrer nas ruas sem nenhum apoio”, explica Yannis. No início de 2013, decidiu documentar essa realidade. Durante 4 meses andou pelas ruas de Atenas a conhecer quem vivia nelas. “Era muito importante para mim ser verdadeiro na minha abordagem a essas pessoas. Nunca prometi “salvá-los” ou mudar as suas vidas. Mas disse-lhes que esperava que as pessoas - incluindo os políticos - vissem o meu projecto e se sentissem envergonhados. Que quisessem fazer algo para ajudar”. Yannis conversou, confessa, mais do que fotografou. Queria saber as histórias daquelas pessoas, o que as tinha levado até ali: a viver debaixo de um viaduto, a dormir em meia caixa de cartão, a sobreviver na rua.
Debaixo de uma ponte, Yannis conheceu Dimitrios, um ex-bailarino que só queria trabalhar e não mendigar. Acabaria por tornar-se assistente de Yannis no projecto Down and Out. Dimitrios, 51 anos, e a namorada, Marialena, 42, vivem na rua. Ela, toxicodependente, chegou a Atenas ainda adolescente em busca de uma vida melhor. Seguiu-se uma vida conturbada, esteve presa, contraiu o vírus da SIDA. Quando Yannis a conheceu, estava a meio de um programa de reabilitação com metadona. A reportagem foi publicada pela Reuters em Junho de 2013. O trabalho foi também divulgado no blogue da agência, acompanhado por um texto do fotojornalista: “Depois de escrever para este blogue dei por mim a pensar: o que aconteceu ao meu país?”, escreveu Yannis nessa altura. O fotojornalista estará em Portugal na próxima semana para integrar o júri do Prémio de Fotojornalismo Estação Imagem, dedicado em exclusivo à reportagem fotográfica. Vem à procura de imagens com “imaginação, criatividade e ética”, diz ao PÚBLICO. “Procuro imagens que criem emoções, que me façam sentir feliz, triste, culpado. Que dão esperança, que fazem chorar”. O impacto das histórias dos sem-abrigo que conheceu, conta, ajudou a alertar para o problema e conseguiu mobilizar alguma ajuda. Hoje, a Grécia tem um novo governo e está, por outras razões, debaixo dos holofotes. “Como ser humano e cidadão grego, espero o melhor. Com o novo governo, espero um novo começo e um futuro melhor para os meus filhos. Como pessoa, cresci a não ter medo”.