Realismo e idealismo; pragmatismo e generosidade

Manuela Morgado escreve sobre Silva Lopes, com quem assinou um conjunto de trabalhos no PÚBLICO.

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José da Silva Lopes, 1932 - 2015 Nuno Ferreira Santos

Mas trouxe também o idealismo de quem viveu em ditadura e nela fortaleceu a crença em que o homem só sabe ser homem se se identificar no esforço colectivo e no encontro das soluções em benefício conjunto. Devemos-lhe que, com esse espírito e voluntarismo, tenha estado no olho do furacão das grandes crises económicas por que o país passou nos últimos anos e na sua resolução. Falta tem feito que a sua palavra não tenha tido oportunidade de ser ouvida e cumprida numa União Europeia incapaz de conciliar o ritmo de cumprimento de um tratado orçamental com o potencial das economias reais dos Estados em ajustamento.

O Silva Lopes era muito mais que economista e melhor o sentimos agora que passa de referência a símbolo. A economia, que tratava com pragmatismo, raro no bizâncio em que vivemos de discussões sitiadas pelas teorias com nomes em inglês, era servida pelo profundo conhecimento da História e das culturas dos povos e amenizada pelo gosto das artes. Podia passar a tarde a ouvir ópera e à noite engendrava um modelo para analisar uma questão económica muito concreta.

A sapiência económica do Silva Lopes não era abstracta e descartável da vida dos homens. Era profundamente terrena e completada por alguns “coeficientes de queixo” muito certeiros. A teoria, por mais complexa, encaixava-a claramente na realidade -- e não o contrário -- de tal maneira que parecia mágico o modo como se tornava simples e óbvia, mesmo para os não iniciados. Não vai ser fácil encontrar quem dele venha a herdar a plenitude deste talento de separar o essencial do acessório para atingir o objectivo. E com que humildade e simpatia o fazia, sem diminuir o interlocutor ou esmagar o opositor.

Os trabalhos que desenvolvemos com ele no âmbito do grupo em que participaram o Mário Valadas, Cordeiro Batista e eu própria decorreram numa clima de sintonia e de amizade que não esquecerei. Penaliza-me que não fosse possível que este homem generoso tivesse vida suficiente para dar o contributo que desejaria à redução das desigualdades de repartição do rendimento em Portugal, designadamente no âmbito da reformulação da Segurança Social, conferindo-lhe sustentabilidade e maior justiça relativa.

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