Silva Lopes, o economista pessimista que era chamado nas horas difíceis

Morreu um dos mais influentes economistas portugueses do último meio século. O ex-ministro das Finanças e ex-governador do Banco de Portugal tinha 82 anos.

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José da Silva Lopes tinha 82 anos

Silva Lopes é considerado pela generalidade dos seus colegas como um dos economistas portugueses mais influentes do último meio século. Não só pelas opiniões que sempre manifestou em público, com uma simplicidade que só os mais conhecedores conseguem atingir, mas também pela passagem da teoria à prática nos cargos políticos que ocupou, em alguns dos momentos mais complexos que atravessou o país em termos económicos e financeiros.

Nascido em 1932, formou-se em Finanças pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF, o actual ISEG) e imediatamente iniciou uma carreira feita na maior parte do tempo ao serviço da Administração Pública. O seu primeiro papel de relevo para a economia portuguesa foi quando, com 27 anos, participou na negociação da entrada de Portugal na EFTA e no GATT, os acordos comerciais que ajudaram a abrir a economia portuguesa ao exterior.

No final dos anos 60, é nomeado administrador da Caixa Geral de Depósitos e director do Gabinete de Estudos do Ministério das Finanças. Os cargos importantes que ocupava antes do 25 de Abril não impediram que, logo após a revolução, fosse chamado para a sua primeira missão difícil.

Ocupou o cargo de secretário de Estado das Finanças, no primeiro governo provisório, e depois foi ministro das Finanças, no segundo e terceiro, chefiados por Vasco Gonçalves. Durante esse período de tempo, entre 1974 e 1975, muito se passava no país e fora dele. Silva Lopes teve de gerir uma situação de inflação galopante provocada pela subida dos salários e pelo choque petrolífero internacional, ao mesmo tempo que se realizavam intervenções do Estado no sector empresarial e em Março de 1975 se nacionalizava a banca.

Abandona o Ministério das Finanças pouco depois, mas ainda em 1975 é convidado para liderar o Banco de Portugal. Aí encontra um cenário de quase ruptura nas reservas cambiais portuguesas. Negoceia na Europa e nos Estados Unidos empréstimos que permitam manter as finanças portuguesas à tona de água. “Acho que foram anos relativamente milagrosos. Principalmente, 1976. Visto retrospectivamente, depois das dificuldades que passámos em 1976, o ano 1976 foi quase um milagre”, diria mais tarde, numa entrevista publicada no livro “Memórias de Economistas”.

As dificuldades não ficariam por aí. Com a ajuda de jovens economistas como Rudiger Dornbush e Paul Krugman, vindos a seu pedido do MIT, foi gerindo a política cambial e financeira do país, incluindo a primeira passagem do FMI em 1978. Nesse ano, por três meses, voltou a ser ministro das Finanças, num governo de iniciativa presidencial. Voltou para o Banco de Portugal onde foi governador até 1980.

Depois de exercer funções como deputado entre 1985 e 1989 (eleito pelo PRD), presidiu a comissões de reforma que ajudaram a definir o sistema fiscal português. Entre 1996 e 2003 foi presidente do Conselho Económico e Social. Reformou-se em 2008 após quatro anos na presidência do conselho de administração do Montepio Geral.

Recebeu a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo em 2003, das mãos do então presidente da República Jorge Sampaio.

Com várias homenagens durante o seu tempo de vida, feitas principalmente pelos seus colegas economistas, José da Silva Lopes irá continuar a ser alvo de distinções agora, depois da morte. Esta quinta-feira, o Banco de Portugal anunciou já que irá promover a realização de uma conferência internacional em sua memória.

O último grande contributo de Silva Lopes para o debate económico sobre o futuro do país deu-se nas páginas do PÚBLICO entre Setembro e Novembro do ano passado e de uma forma invulgar.

Durante dois meses e meio, o antigo ministro das Finanças e antigo governador do Banco de Portugal mais três economistas e amigos – Manuela Morgado, Mário Valadas e Cordeiro Baptista – assinaram duas páginas semanais com as propostas que acreditavam que levariam o país a crescer e de forma sustentável. Sob o título “Portugal: Objectivo Crescimento”, escreveram sobre a necessidade de incentivar os sectores económicos expostos à concorrência internacional, os chamados sectores de bens e serviços transaccionáveis, sobre a redução da dívida externa, as reformas na administração pública, o futuro da inovação e da formação, o investimento estrangeiro, a justiça, os transportes, entre outros temas. Com uma certeza de fundo: o país não deve sair do euro.

Para além de cada texto ser sempre escrito a quatro, os autores realizaram previamente várias entrevistas com especialistas e profissionais de referência dos sectores que iam analisar. Desse trabalho de base, Silva Lopes observava especialmente a preparação académica e profissional dos interlocutores e da nova geração de economistas, “mais preparados”, dizia, do que no passado. O inveterado pessimista resolveu, aqui, mostrar por uma vez uma faceta mais optimista.

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