Mariquita-de-perna-clara voa três dias sobre o mar sem parar

Há 50 anos que os cientistas tentavam descobrir a rota migratória de uma ave de apenas 12 gramas, que no Outono voa das florestas da América do Norte para a América do Sul. Graças a minúsculos geolocalizadores, desvendaram finalmente o mistério.

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Nas costas da ave está o geolocalizador, que pesa meio grama Centro para Ecoestudos de Vermont
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Nas costas da ave está o geolocalizador, que pesa meio grama Centro para Ecoestudos de Vermont

É uma viagem impressionante para uma ave com apenas 12 gramas. Durante 50 anos, suspeitava-se que esta era a rota que seguia, mas só agora é que os cientistas conseguiram confirmá-la com observações directas, colocando minúsculos geolocalizadores nas costas das aves, como se fossem mochilas. Os resultados foram publicados esta semana na revista Biology Letters.

“Para as pequenas aves canoras, só agora é que começamos a compreender as rotas migratórias que ligam os habitats temperados onde se reproduzem com os habitats tropicais onde passam o Inverno”, diz Bill DeLuca, um dos autores do artigo, da Universidade de Massachusetts, Estados Unidos, citado num comunicado da sua universidade. “Este é um dos voos mais longos sem paragens e por cima de água de uma ave canora alguma vez registado, e confirma finalmente o que durante muito tempo se acreditava ser uma das maiores proezas migratórias do planeta.”

A mariquita-de-perna-clara (Setophaga striata) encontra-se nas florestas boreais da América do Norte entre o final da Primavera e o início do Outono. Durante muito tempo, os observadores de aves viam-na desaparecer em direcção ao mar, na costa Nordeste da América do Norte, já no Outono. Ao contrário de outras espécies parentes de aves canoras, que eram observadas ao longo da América do Norte durante a migração sazonal para os seus habitats de Inverno situados mais a sul, a mariquita-de-perna-clara quase nunca se encontrava nessas rotas comuns. O seu rasto era perdido no mar. Mas todas as Primaveras, a pequena ave insectívora voltava para as florestas do Canadá e dos Estados Unidos para se reproduzir.

No mar, quando havia tempestades, estas aves eram vistas a pousar em navios, ou observadas em ilhas, como nos Açores. Por isso, durante meio século, os biólogos foram acumulando factos que os levaram a acreditar que elas atravessavam o Atlântico, numa viagem directa até à América do Sul.

“Pode-se encontrar a descrição da rota migratória [marinha] da mariquita-de-perna-clara nos manuais”, diz ao PÚBLICO Ryan Norris, investigador da Universidade de Guelph, no Ontário, Canadá, outro autor do estudo, explicando que a hipótese deste percurso já era largamente aceite pelos biólogos. “Mas até agora não existia uma observação directa desta rota. E agora nós mostrámos que as aves estão de facto a fazer isto.”

Entre Maio e Agosto de 2013, os investigadores equiparam 37 indivíduos desta espécie, de duas regiões diferentes do Canadá e de uma dos Estados Unidos, com um pequeno geolocalizador de meio grama. Estes geolocalizadores contam o passar do tempo e registam a luminosidade, ou seja, detectam quando é que o Sol nasce e quando é que se põe. “Com estas duas informações, é possível determinar a latitude e a longitude dos locais onde as aves estavam”, explica Ryan Norris.

Mas estes pequeníssimos aparelhos não transmitem a informação pelo ar. Era necessário esperar que algumas destas aves voltassem à América do Norte, no ano seguinte, ao habitat onde tinham passado a temporada estival do ano anterior, para recolher os aparelhos. “Cinco dos 37 geolocalizadores foram recuperados em 2014”, lê-se no artigo.

Quando analisaram a informação contida nos aparelhos, a equipa pôde refazer o mapa da viagem do último ano daquelas cinco aves. Quatro partiram ou da costa da Nova Escócia, no Canadá, ou mais a sul, de Long Island, New Jersey, nos Estados Unidos, e fizeram uma viagem de 2270 a 2770 quilómetros, entre 49 e 73 horas, até às ilhas nas Caraíbas. A este percurso durante este tempo corresponde uma velocidade média de 38,5 a 48,2 quilómetros por hora. Nas Caraíbas, as aves descansaram cerca de uma semana e depois fizeram o resto do trajecto até à América do Sul. A quinta ave fez uma viagem mais curta, de apenas 1500 quilómetros. No ano seguinte, as aves voltaram não pelo oceano mas voando por terra.

Apesar de a descoberta comprovar uma hipótese de décadas, continua a haver mistérios. Um deles é a capacidade fisiológica da ave para voar durante tantas horas. Sabe-se que antes de iniciar a viagem, a mariquita-de-perna-clara se alimenta intensamente, engordando cerca de seis gramas. “Elas devem usar aquela gordura de uma forma muito específica”, diz Ryan Norris.

Outro mistério é o que aconteceu para esta espécie, ao contrário das outras espécies próximas, ter escolhido a viagem marítima em vez da terrestre. “Não tenho resposta”, diz o investigador. Evolutivamente, esta foi uma solução com sucesso. “Nesta viagem, as aves evitam predadores” e “chegam mais cedo ao seu habitat” de Inverno do que as espécies que vão por terra, refere Ryan Norris, especulando sobre as razões para esta viagem se repetir todos os anos, sem pausas, sem repouso.

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