Co-piloto aproveitou medidas antiterrorismo e lançou o avião contra os Alpes
A sós na cabine, Andreas Lubitz lançou o avião deliberadamente contra as montanhas dos Alpes. Pilotos portugueses apelam para que procedimentos de segurança do cockpit sejam alterados.
Não são conhecidas ainda as razões que levaram Andreas Lubitz a fazer despenhar-se o Airbus da Germanwings. As autoridades francesas dizem que nada aponta para que se tratasse de um acto terrorista e existe também alguma resistência a rotular as acções do co-piloto como um suicídio. O procurador-geral de Marselha, Brice Robin, o primeiro a dar a conhecer as conclusões da investigação, disse que não podia usar esse termo: “Não posso chamar a isto um suicídio, mas essa é uma pergunta legítima a fazer”.
Horas depois de as autoridades francesas anunciarem a conclusão imprevisível foi o CEO da Lufthansa – a operadora alemã que detém a subsidiária low cost Germanwings – que se recusou a usar o termo suicídio. Mas por outras razões. “Não sou um especialista legal”, começou por dizer Carsten Spohr, “mas quando alguém leva mais 149 pessoas para a morte com ele, não é propriamente aquilo a que chamaria suicídio”, concluiu.
Estas conclusões foram produzidas a partir do registo sonoro do que se passou na cabine do Airbus A320 nos minutos que antecederam o impacto. Segundo Brice Robin, as gravações encontradas na caixa negra do avião contam a história do desastre.
Tudo aconteceu nos últimos dez minutos do voo. Até a esse momento, nada apontava para o que viria a passar-se. O procurador francês diz que ambos os pilotos conversaram normalmente – até de forma “animada”, nas suas palavras – durante 20 minutos. Começaram depois a preparar os planos para a aterragem em Düsseldorf. Nesta fase da conversa, Lubitz tornou-se “lacónico”. Mal o avião atinge a altitude cruzeiro, o comandante pede a Lubitz que tome o controlo. Ouve-se o deslizar de uma cadeira e o som da porta da cabine a fechar-se. O comandante saíra e não voltaria a entrar.
A sós na cabine, Lubitz accionou quase imediatamente um mecanismo que fez com que o avião começasse a perder altitude a uma média de 1000 metros por minuto, segundo os dados avançados pela agência de segurança aérea francesa na quarta-feira. Algo que só pode ser feito “voluntariamente”, explicou Brice Robin. A partir desse momento, o avião demorou dez minutos a embater contra as montanhas, a uma velocidade de cerca de 700 quilómetros por hora. São dez minutos em que se ouve Lubitz respirar normalmente, sem responder aos apelos do comandante para que abrisse a porta do cockpit ou às tentativas de contacto de operadores aéreos que recebiam informações de que o avião estava perigosamente próximo ao solo. Lubitz ficou em silêncio até ao embate final.
As gravações recolhidas da caixa negra mostram que o comandante tentou repetidamente voltar ao cockpit, mas sem sucesso. As autoridades francesas acreditam que terá sido Lubitz quem impediu a entrada do comandante, embora não se saiba ao certo quais os mecanismos de segurança que foram activados. Sabe-se, no entanto, que a porta do cockpit só pode ser aberta a partir do interior e que o comandante bateu várias vezes à porta. Chegou a tentar arrombá-la, pouco antes de o avião se despenhar.
Desde o 11 de Setembro que os procedimentos de segurança impedem o acesso ao cockpit pelo exterior. Existe um mecanismo de recurso, através de um código introduzido na porta, para o caso de os ocupantes da cabine não estarem conscientes. Mas este mecanismo pode ser anulado no interior e renovado por períodos de cinco minutos, como as autoridades acreditam que aconteceu.
A caixa negra registou ainda os gritos da tripulação e um grande estrondo. Acredita-se que este tenha sido o som de o avião embater parcialmente numa montanha antes de se despenhar por completo. “A morte terá sido repentina, imediata”, disse Brice Robin aos jornalistas.
Sistema tem perigos
Apenas nos EUA é exigida a chamada “regra dos dois”. Esta obriga a que estejam sempre pelo menos duas pessoas no cockpit. De outra maneira, alertam os pilotos, existe a possibilidade de se tirar proveito do próprio mecanismo de segurança que impede o acesso vindo do exterior ao cockpit, concebido para impedir ataques terroristas. A TAP não segue necessariamente a “regra dos dois”. Ao PÚBLICO a operadora do Estado português apontou apenas para a “prática generalizada da indústria”, que é a de deixar para o comandante a decisão sobre “a necessidade de chamar ao cockpit um tripulante de cabina perante a ausência de um membro da tripulação técnica”.
A Associação de Pilotos Portugueses de Linha Aérea (APPLA) foi uma das organizações que chamaram a atenção para os riscos das medidas de segurança implantadas depois do 11 de Setembro e pede agora que estas sejam revistas. O comandante Miguel Silveira, presidente da APPLA, diz que as portas reforçadas, trancadas por dentro, foram só pensadas para travar uma ameaça externa ao cockpit. “Se a ameaça vem do interior, esta medida não serve. A mesma porta que protege os pilotos protege os piratas”, afirmou ao PÚBLICO, assegurando ainda que a “regra dos dois” é norma corrente nos aviões portugueses, embora esta não seja uma regra universal.
O desastre nos Alpes parece ter voltado as atenções para as possíveis consequências de haver apenas uma pessoa na cabine de uma aeronave. Ao final do dia de quinta-feira, pelo menos cinco operadoras aéreas europeias e canadianas anunciaram que iriam passar a exigir a “regra dos dois”. Na Europa, tomaram esta decisão a EasyJet, a Norwegian, a Icelandair e, no Canadá, a Air Canada e Air Transat. com Ricardo Garcia