Só 30% das crianças com asma chegam à adolescência sem sintomas da doença

Estudo acompanhou mais de 300 crianças portuguesas com asma ao longo de 13 anos. Além da genética, há factores como as alergias e a rinite que condicionam a evolução da doença e que devem levar a abordagens diferentes.

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Nariz frequentemente tapado, muita secreção e comichão são alguns dos sintomas comuns e que se confundem com outras doenças MIGUEL MADEIRA

No caso de Lourenço e de Afonso, o historial familiar associado à presença de alergias, eczema e rinite contribui para um cenário desfavorável. Mas, segundo o imunoalergologista Mário Morais de Almeida, o facto de se conhecerem cedo todas as peças do puzzle contribui para um melhor controlo da asma. O coordenador do estudo vencedor da quinta edição deste prémio, que contou ainda com os investigadores Helena Pité, Ana Margarida Pereira, e Ângela Gaspar, explica ao PÚBLICO que o principal objectivo do trabalho foi precisamente perceber a influência das características iniciais das crianças na persistência da asma na adolescência. As conclusões permitem agora tratar de forma mais eficaz os novos doentes, como estes meninos de sete anos e seis meses.

Para isso, em 1993 começaram a reunir uma amostra de mais de 300 crianças com menos de sete anos de idade e que no ano anterior à observação tivessem tido pelo menos três crises de dificuldade respiratória grave e cuja asma foi confirmada pelo médico. As crianças foram avaliadas ao fim de três anos, de seis anos, de oito anos e de 13 anos para perceber o caminho até à adolescência. No percurso os autores perderam o rasto de alguns dos participantes, mas garantem que a amostra final não ficou comprometida.

Para Mário Morais de Almeida, médico do Centro de Alergia dos Hospitais Cuf, “a principal conclusão do estudo é que se identificam claramente três conjuntos de crianças”. “Há um conjunto que vai continuar a ter sempre queixas até à adolescência, em que a parte da alergia é muito importante e que representam metade de todos os casos”, diz o também presidente cessante da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica, mas reforça que também há mais dois grupos. “Um quarto das crianças continua [com asma] até à adolescência mas com menos queixas e sem alergias na idade escolar. Noutro quarto as queixas desaparecem na idade escolar”, acrescenta, referindo que neste último grupo estamos quase sempre perante casos em que os pais não tinham asma e em que não foram detectadas alergias, rinite ou eczemas nas crianças.

A divisão das crianças por grupos, explica Morais de Almeida, permite que os médicos percebam os casos em que vale a pena fazer, por exemplo, medicação preventiva ou aqueles em que basta dar tratamentos só em situação de crise. O médico afirma ainda que o trabalho permitiu demonstrar a importância de se fazerem testes alérgicos e provas de função respiratória ainda durante a primeira infância para ter uma noção exacta do doente. Mas deixa um alerta: tanto as vacinas que existem para algumas alergias como os medicamentos para a asma continuam com um preço que pode ser uma barreira para as famílias.

Outro dos problemas está no diagnóstico tardio. André Tarrafa e Joana Pereira contam ao PÚBLICO que não passaram por essa situação pois viviam a doença na própria pele e perceberam rapidamente que a tosse, a pieira, a falta de ar e as constipações constantes dos filhos tinham um nome. No caso de Lourenço, a doença antes de ser controlada levava a que nem conseguisse fazer as brincadeiras próprias da idade. Mas Morais de Almeida diz que ainda há muitos casos em que os sintomas se arrastam e que são desvalorizados levando a que o contacto com os serviços de saúde aconteça em situações de urgência – apesar de poucas vezes o desfecho ser mortal.

O Estudo de Análise Preliminar dos Indicadores Nacionais de Asma – 2014 do Programa Nacional para as Doenças Respiratórias, publicado em Janeiro pela Direcção-Geral da Saúde, alertava precisamente para alguns problemas no acompanhamento, com os cuidados de saúde primários a não conseguirem controlar os doentes com asma e a levarem a que muitos cheguem aos hospitais em situações que exigem internamento. Apesar dos problemas, o relatório salientava que o número de mortes associadas à asma tem sido “razoavelmente estável ao longo dos anos, oscilando entre 17 e 32”.

No que diz respeito aos internamentos directamente relacionados com asma, de 2012 para 2013 houve uma ligeira descida, de 3033 para 2762 episódios – o que representa 3,4% do total de internamentos por doença respiratória. Na maior parte dos casos os doentes tinham menos de 18 anos. Os dados permitem também identificar que “uma percentagem elevada (13% em 2013) dos internamentos associados à asma, corresponde a um segundo episódio, sugerindo um risco aumentado de reinternamento hospitalar”.

Para o alergologista todos os dados reforçam a importância de um diagnóstico precoce e a apontam para a necessidade de se valorizarem outras doenças na altura de perceber como pode evoluir a asma. “Se o pulmão está constantemente a ser agredido e inflamado sem ser tratado vai começar a defender-se e fica mais rijo, com uma estrutura mais espessada e as obstruções deixam de ser reversíveis”, explica Morais de Almeida.

Na amostra portuguesa percebeu-se que há uma relação directa entre o eczema e a presença de sintomas de asma na adolescência. Mas muito mais peso tem a rinite. “Demonstrámos que desde a idade pré-escolar que a rinite é muito importante e mais de 30% das crianças nessas idades apresentam sintomas de rinite que se traduz em nariz tapado, muita secreção, coçar o nariz e espirrar com frequência. A maior parte das crianças que continuavam a ter queixas na adolescência já tinham rinite na idade pré-escolar ou alergias, sendo a alergia aos pólenes a mais conhecida”. De fora ficou uma análise aprofundada sobre a influência do tabaco, diz Morais de Almeida, que garante que hoje ganharia mais expressão, até por ser uma das principais causas de internamento nestas crianças.

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