Rebeldes atacam cidade onde se refugiou Presidente iemenita
Ofensiva dos huthis pode precipitar intervenção militar internacional no país. Arábia Saudita tem contingente militar “significativo” estacionado junto à fronteira.
Aden, cidade de 760 mil habitantes na costa do mar Vermelho, era até esta manhã um porto seguro para o Presidente iemenita, que viu a capital, Sanaa, ser tomada em Fevereiro pelas forças radicais xiitas do grupo Ansarruallah, também conhecidas como huthis. As milícias vinham ganhando terreno em direcção ao Sul nos últimos dias, com a tomada, no domingo, de Taiz, a terceira cidade do país. Nesta quarta-feira, a conquista da base aérea de al-Anad, a 60 quilómetros de Aden, confirmou os piores receios.
Al-Anad é uma base onde, até à semana passada, estavam instalados conselheiros militares norte-americanos que instruíram as forças de segurança iemenitas na luta contra a Al-Qaeda. A progressão dos huthis, apoiados por alguns sectores do exército, foi feita em poucas horas e estes rapidamente atingiram as portas da cidade portuária.
Às primeiras notícias da aproximação dos rebeldes, os funcionários públicos de Aden receberam ordens para regressarem às suas casas e algumas pessoas tentavam reunir armas para se defenderem, segundo uma descrição da Reuters. Ao final da manhã, a cidade portuária foi bombardeada por aviões não-identificados, cujo alvo era o quartel-general do Presidente.
Hadi em parte incerta
Perante o avanço dos rebeldes, começaram a emergir relatos contraditórios sobre o paradeiro de Hadi. Fontes próximas do Presidente disseram à Associated Press que o chefe de Estado tinha abandonado Aden para um local desconhecido, assim como o seu principal comandante militar. O ministro da Defesa terá sido detido, diz a mesma agência.
No entanto, estas notícias foram desmentidas por dois dirigentes do conselho de segurança, em declarações à Reuters, embora nenhuma confirmação independente tenha sido divulgada. Ao canal Al-Arabyia, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Riad Yassin, confirmou que Hadi se mantinha em Aden e reiterou o apelo a auxílio internacional. A Liga Árabe vai discutir a situação no Iémen esta semana, durante uma cimeira de chefes de Estado este fim-de-semana em Sharm el-Sheikh, no Egipto.
Dias antes, Abdu Hadi já tinha pedido uma intervenção militar externa no país para acabar com a revolta. O apelo foi dirigido, de acordo com Yassin, aos países do Conselho de Cooperação do Golfo – um organismo intergovernamental que engloba seis países da Península Arábica, mas do qual o Iémen não faz parte – e ao Conselho de Segurança da ONU.
Os países da região estão a ponderar uma intervenção, mas o agravamento da tensão pode precipitar a participação militar, mesmo sem um consenso entre os membros do GCC. “Se o golpe huthi não terminar de forma pacífica, tomaremos as medidas necessárias para proteger a região”, disse na segunda-feira o ministro dos Negócios Estrangeiros saudita, Saudi al-Faisal.
A dar força ao cenário de intervenção, surgiram nesta quarta-feira notícias de que o exército da Arábia Saudita está a enviar equipamento militar pesado para junto da fronteira com o Iémen. Fontes do Governo norte-americano descreveram o contingente militar saudita na zona como “significativo”, de acordo com a Reuters, e explicaram que é possível que as forças sauditas avancem para ataques aéreos sobre posições rebeldes para defender o Presidente iemenita, caso se confirme a tomada de Aden. Uma intervenção saudita não seria inédita. Em 2010, a Força Aérea do vizinho do Norte bombardeou posições huthis, em apoio ao Presidente de então, Ali Abdullah Saleh.
A entrada da Arábia Saudita no conflito pode abrir uma nova etapa com repercussões que vão além das fronteiras do Iémen. A ajuda de Riad a Hadi pode dar ao Irão o pretexto para expandir o apoio prestado aos huthis – que pertencem à facção zaidita do ramo xiita do Islão – e, segundo alguns analistas, dar início a uma “guerra por procuração” entre as duas potências regionais, com a crise iemenita como pano de fundo.
A Arábia Saudita, principal aliado dos Estados Unidos no Médio Oriente, vê no Irão o seu principal rival na disputa pela hegemonia regional e qualquer tentativa de expansão da influência do regime xiita será encarada como uma ameaça por Riad. A recente aproximação entre Washington e Teerão, no âmbito das negociações sobre o programa nuclear iraniano, é também receada pelo regime saudita, de acordo com vários analistas, pois teme descer de posição na lista de prioridades da política externa norte-americana.
Ameaça terrorista
O caos no Iémen abre igualmente perspectivas a uma expansão das actividades de grupos terroristas como a Al-Qaeda, cujo ramo mais activo está sedeado no país e que terá inspirado os irmãos Kouachi para atacarem a redacção do jornal satírico francês Charlie Hebdo. Hadi está no poder desde 2012, na sequência de uma onda de protestos contra o antigo ditador, Ali Abdullah Saleh, que governou o país durante 31 anos. Em Hadi, os Estados Unidos encontraram um aliado na luta contra a AQAP (sigla em inglês da Al-Qaeda na Península Arábica), feita sobretudo através de ataques executados por drones.
Porém, o Governo de Hadi nunca conheceu períodos de estabilidade duradoura e, no final do ano passado, a revolta huthi alcançou a capital, que conseguiu controlar totalmente em Janeiro, depois de já ter assegurado o domínio sobre o Noroeste.
No terreno, as alianças são difíceis de discernir recorrendo em exclusivo a relações religiosas ou ideológicas. Os xiitas huthi contam, por exemplo, com o apoio de sectores do exército ainda leais a Saleh, de quem foram rivais durante o seu mandato. O ex-líder pretende agora lucrar com a instabilidade no país para promover o seu filho, Ahmad, numa possível futura candidatura presidencial.
Mesmo no Sul, o apoio a Hadi está longe de ser consensual. O movimento Herak, que luta pela independência da região – regressando ao statu quo anterior à reunificação de 1990, quando Norte e Sul estavam em guerra –, vê com ambivalência a progressão huthi. Se, por um lado, a instabilidade parece apenas servir os poderes exteriores do Irão e da Arábia Saudita, por outro, pode ser esta a via para um redistribuição interna do poder.
Outro factor de complexidade é a possível extensão do autoproclamado Estado Islâmico ao Iémen. Os ataques a mesquitas em Sanaa na semana passada, em que morreram mais de 140 pessoas, foram reivindicados por um grupo que se associou à organização que controla vastos territórios na Síria e no Iraque e que começa a juntar aliados no Norte de África.