Quem venceu as eleições de domingo em França? Nicolas Sarkozy ou Marine Le Pen?
O resultado das eleições agrava a anomalia do tabuleiro político francês, que passou a ser tripartidário.
Os resultados, ainda provisórios, indicam que a União para um Movimento Popular (UMP, de Sarkozy) e os centristas da UDI conquistaram 29,4% dos votos, seguidos da FN, com 25,2, e dos socialistas, com 21,8. O PS evitou cair abaixo da barreira fatídica dos 20%. No quadro tripartidário que se impôs desde 2014, os blocos da direita tradicional e da esquerda somaram cada um 36% dos votos. A esquerda foi penalizada pela sua pulverização e pelas querelas internas dos socialistas. Lembre-se, no entanto, que esses dois blocos tinham tradicionalmente votações acima dos 40%. Nas cantonais de 2011 o conjunto da esquerda somou 50%. Enquanto os dois blocos do bipartidarismo sofrem uma erosão, a extrema-direita passa a representar um quarto do eleitorado.
A dinâmica da FN
A segunda volta será desfavorável à FN graças ao sistema eleitoral. A UMP será a grande beneficiária, prevendo-se uma larga vitória. Mesmo assim, a FN obteve um resultado sem precedentes, estando presente no voto de “desempate” em metade dos 2.000 cantões e com possibilidade de vencer em 350. Haverá numerosos duelos UMP-FN e PS-FN. Em mais de 200 cidades onde haverá triangulares, a FN fará de árbitro. Poderá ainda conquistar dois departamentos (Aisne e Vaucluse), o que seria um feito “histórico”.
O que conta politicamente não é a comparação com as sondagens mas a comparação com as eleições anteriores. Arrastada pelas sondagens, que davam à FN uma votação na casa dos 30% ou até acima, Marine Le Pen quis fazer destas eleições um “plebiscito”, o que falhou. Mas progrediu 10 pontos em relação às eleições cantonais de 2011 e consolidou o seu resultado nas europeias de 2014, com uma ligeira subida.
Alguma imprensa internacional interpretou o resultado de forma sumária: “Sarkozy travou Le Pen.” Vários analistas discordam. “Marine Le Pen tem uma dinâmica que ultrapassa as meras eleições municipais. A sua estratégia é a de bola de neve: uma vitória arrasta outra”, explica Françoise Fressoz, editorialista do Monde. “Ela quer ultrapassar a UMP e o PS, cavalgando a crise e o ressentimento em relação à Europa. As sondagens mostram que não é impossível.”
“Se a FN está decepcionada é apenas em relação às sondagens”, declara o politólogo Pascal Perrineaud. “Não é o primeiro partido da França. Mas tem uma forte dinâmica. (...) Está confirmada a tripartidarização da vida política francesa.”
Tripartidarismo anómalo
A fragmentação da esquerda ofereceu uma aparatosa vitória ao ex-Presidente francês, que exerce uma frágil e contestada liderança na UMP. Resumiu Sarkozy: “A alternância está em marcha e nada a parará.” Referia-se às presidenciais e legislativas de 2017. Quanto à segunda volta, mantém a política do “ni-ni”. Não haverá apelo ao voto “republicano” em candidatos de esquerda. Nem acordos com a FN, “sob pena de expulsão”. Ao contrário, o primeiro-ministro Manuel Valls apelou ao voto no candidato da direita nos duelos com a FN. A segunda volta vai criar tensão na UMP, onde muitos candidatos querem os votos da FN.
O próprio Sarkozy foi precursor nesta matéria. Nas presidenciais de 2007 e 2012 recuperou os grandes temas da FN para atrair os seus eleitores. A ideia era garantir uma duradoura hegemonia da direita. Teve sucesso em 2007. Mas, após a substituição de Jean-Marie Le Pen pela filha, a viragem à direita de Sarkozy legitimou e reforçou a FN.
Não é um fenómeno efémero. “A FN lançou-se num processo de normalização desde há vários escrutínios”, sublinha o sociólogo Nicolas Lebourg. “Sobretudo no que diz respeito aos valores autoritários e identitários: todos os inquéritos de opinião mostram que este discurso tem hoje eco na opinião francesa.”
O bipartidarismo resiste graças à lei eleitoral que implica a sub-representação da FN. A sua ascensão não se traduzirá num avanço espectacular no Parlamento mas vai pesar nas presidenciais. O tripartidarismo que emergiu em França, imposto pelo eleitorado, criou uma situação inédita. Explica Thomas Wieder no Monde: “As três forças que dominam a paisagem política não têm qualquer intenção de governar em conjunto. Nenhum acordo é possível. E nenhuma pode pretender ser maioritária por si só.” É a anomalia que resume a crise política francesa.