acabaram-se as tertúlias
foram desfeitas, uma a uma mitigadas
por ironias silenciosas, bem gozadas
desfolhadas entre dentes escrevedores
os arrulhos beliscaram a solidão das horas
mas acabou-se
de onde vos olho agora para dentro
comovida, cheia de pena,
prevejo a dificuldade de vos arrumar os líquidos
e percebo que esse nunca foi o meu trabalho
nascemos sós, morremos sós
de nada serve tentar agrupar o que foi feito separado
A. Rafael da Silva
Baltar, 34 anos
Variações em Adélia Prado
Sávio,
por tua causa
começam a acontecer coisas estranhas
comigo
tenho medo da Europa e quero visitar-te
ir ao Ceará e bebermos
um chá de limão
como deve estar quente Fortaleza
quero sair daqui apanhar o primeiro avião
e partir
estou sem paciência para as alcoviteiras
do meu quarteirão
chega de saber quem morreu, enviuvou ou tem corno
quero beijar a tua unha amarelada pelo vício do tabaco
sem ti perco os dias, esqueço-me de comer e o meu sono é pouco
tenho ensaiado perto do laranjal de minha casa
o nosso provável diálogo, quando me vieres buscar ao aeroporto com
os teus ray ban
diz-me a que horas pensas em mim para eu atrasar
o relógio da cozinha
caí no ciclo esquisito de te ver em todas as coisas
na chanata esquecida
no passarinho verde
ou no carteiro
Sávio, querido, espero por ti no aeroporto
com os cabelos soltos
como dita a natureza do primeiro encontro
Pedro Craveiro
Porto, 24 anos
in Anuário de Poesia de Autores Não Publicados (Assírio &Alvim)