A Europa brinca com o fogo?
O problema é que há coisas “impossíveis” que rapidamente se tornam possíveis.
A primeira, que diz respeito a Berlim, é fundamental. Angela Merkel entregou a gestão da crise grega ao seu ministro das Finanças, através do Eurogrupo. Não quer a Grécia na agenda oficial da cimeira que hoje começa em Bruxelas, mas parece estar disposta a falar com o seu homólogo grego, Alexis Tsipras, à margem da reunião, por forte insistência deste último, e na companhia do Presidente francês e dos presidentes da Comissão e do BCE. Antes tinha confirmado que receberia o seu homólogo grego na segunda-feira em Berlim. Reserva totalmente o jogo. Entretanto, Wolfgang Schäuble eleva a parada, aproximando-se de um ponto de não retorno. Não é apenas a inflexibilidade quanto às reformas. O ministro voltou a colocar o cenário da saída do euro em cima da mesa e acrescentou-lhe outro, ainda mais preocupante: o chamado Grexident (a Grécia pode entrar em default por acidente, tornando a sua saída irreversível).
As interpretações do seu jogo não são unânimes. Para alguns analistas, trata-se de exercer a pressão máxima sobre Atenas para que mantenha os compromissos com as reformas e as metas definidas pelos credores. Para outros, Berlim chegou à conclusão de que uma saída da Grécia não teria um custo demasiado elevado, como teria tido em 2010, graças à menor exposição da banca europeia à dívida grega e à panóplia de novos instrumentos que a zona euro entretanto criou para limitar um contágio. Muitos governos europeus discordam, como discorda totalmente a Comissão Europeia. Aceitam-se apostas
2. Do outro lado, surgem sinais contraditórios que dificultam o entendimento sobre o que tenciona fazer o governo grego. O Syriza encontra-se na posição “insustentável” de ter de “adiar” as promessas que fez aos gregos nas eleições de Janeiro. Calculou mal os apoios europeus e avaliou ainda pior a sua capacidade de pressão sobre Berlim, convencido que o risco de saída assustaria toda a gente. A posição de Alexis Tsipras é extremamente difícil. Continua a insistir que a Grécia não de se deixará chantagear. Mas, ao mesmo tempo, move-se quase desesperadamente para encontrar uma solução, indo ao ponto de avisar que os cofres gregos estão perigosamente vazios. Aparentemente, Atenas tem uma escolha difícil: ou paga a dívida que vence este mês ou as pensões e os salários da Função Pública. Nesta situação, Tsipras tem de calcular muito bem os passos que dá sob pena de realizar a profecia da saída “acidental” de Schäuble. Por enquanto, continua a jogar com um pau de dois bicos. No dia em que a chanceler aceitou recebê-lo em Berlim no dia 23, o Governo grego anunciou a sua deslocação a Moscovo no dia 8 de Abril. É, mais uma vez, uma jogada arriscada que surge numa altura em que o efeito “Varoufakis” já não faz rir ninguém e o ar cordato de bom rapaz que Tsipras exibe em Bruxelas também já não conta para muito. Ontem, os únicos aliados de que dispõe, Juncker e Pierre Moscovici, o comissário responsável pelos assuntos económicos e monetários, revelaram o seu desânimo quanto às negociações, aumentando também eles a pressão sobre Atenas.
3. Se era preciso mais algum sinal de que a questão grega envolve riscos enorme, mesmo que de outra natureza, ele veio de Washington. O Presidente Obama tem pressionado os responsáveis europeus para que resolvam rapidamente e a bem o problema grego. Decidiu enviar a Atenas Vitoria Nuland, subsecretária de Estado para a Europa e a Eurásia, para avaliar in loco a situação. Para Washington, a questão é fundamentalmente geopolítica. Deixada à sua sorte, a Grécia poderia inclinar-se cada vez mais para Moscovo, quebrando os laços com o Ocidente que a União Europeia garante. “A Rússia tem um grande interesse em ver a crise grega agravar-se”, diz ao Guardian Dimitris Keridis, professor de ciência política na Universidade de Atenas. “Precisamente porque [uma saída] afectaria a zona euro, enfraqueceria a Europa e afastaria a Grécia do Ocidente”. O diário britânico lembra que poucos sítios são tão importantes na região como a ilha de Creta, “onde estão instaladas capacidades de comando e controlo e apoio logístico aos Estados Unidos e à NATO”. “Se a Grécia saísse, a Turquia poderia ir a seguir”.
Pelo menos publicamente, esta preocupação não parece incomodar os europeus, mesmo se a questão mais séria que Merkel quer discutir no Conselho Europeu seja a relação com a Rússia. Há, todavia, entre os europeus outro debate que é mantido quase em surdina e que diz respeito a um outro contágio, mas de natureza política. Muita gente defende que é preciso mostrar que o Syriza acabará por fracassar no seu objectivo de mudar as regras do jogo. O cenário contrário seria uma oferta ao Podemos e ao Cidadãos em Espanha, dando aos movimentos populistas mais um bom argumento para conquistar votos.
O problema é que há coisas “impossíveis” que rapidamente se tornam possíveis. Já ninguém fala da Crimeia, ocupada e anexada pela Rússia, porque uma coisa impossível aconteceu. A saída “impossível” da Grécia pode rapidamente tornar-se possível. Claramente, a Europa não está a conseguir definir aquilo que é o seu interesse fundamental, que permita ver os vários desafios que enfrenta num contexto global. Também não se espera que haja esse debate no Conselho Europeu. As decisões tomam-se cada vez mais à margem das cimeiras por um núcleo reduzido de protagonistas. É também por isso que os extremos ganham força política.