Um quarto dos médicos e enfermeiros que lidam com doentes graves estão em estado de exaustão
Nos cuidados paliativos, onde a taxa de burnout é substancialmente mais baixa do que nos cuidados intensivos, os profissionais tomam as decisões mais complicadas em equipa.
O estudo, que avaliou 355 médicos e enfermeiros de 19 unidades, permite perceber de forma clara que os níveis de burnout nos cuidados intensivos são muito superiores aos identificados nos paliativos. Do bolo dos profissionais identificados como sofrendo desta síndrome (que, além de pôr em risco a sua saúde, afecta a qualidade do serviço prestado), 86% são médicos e enfermeiros que trabalham em cuidados intensivos.
Há formas de prevenir o <i>burnout</i>, comenta a investigadora principal deste estudo, a enfermeira Sandra Martins Pereira, do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa, que lembra que todos estes profissionais trabalham em "contextos de fim de vida", apesar de haver contornos diferentes. “Nos cuidados intensivos a morte é considerada um fracasso, os profissionais são treinados para salvar vidas, enquanto nos paliativos a morte não é sentida como uma frustração”, enfatiza.
Os profissionais dos cuidados paliativos beneficiam também de um conjunto de factores protectores, não só porque a tomada de decisões éticas (por exemplo, quando avançar com a sedação terminal) é feita em equipa e porque têm estratégias para lidar com as situações mais stressantes e com a morte, como "rituais como acender uma vela, ter um livro onde expressam os sentimentos", exemplifica.
As decisões éticas em cuidados paliativos estão em consonância com as recomendações do Conselho da Europa, como indica um estudo do projecto piloto DELiCaSP (Decisions in End of Live Care in Spain and Portugal), principalmente no que se refere ao respeito pela autonomia das pessoas doentes e também no que toca ao processo de deliberação, que neste caso envolve todas as partes implicadas (doente, família e profissionais) e assume “uma dimensão de discussão predominantemente colectiva”, reforça Sandra Pereira.
Formação avançada
Tendo em conta estes resultados e a diferença encontrada nos níveis de exaustão dos profissionais que trabalham em paliativos e intensivos, os autores do estudo defendem, assim, a necessidade de desenvolver estratégias e medidas que permitam incorporar a filosofia, princípios e metodologias de trabalho dos cuidados paliativos noutros contextos. Preconizam ainda a aposta na “formação avançada” de todos os que exercem funções tão complexas quanto estas.
"O risco de burnout existe em várias profissões, sobretudo nas chamadas profissões de ajuda. As pessoas começam a trabalhar muito motivadas e com elevadas expectativas e depois a realidade é um choque”, explica Sandra Pereira. Nas unidades de cuidados paliativos e continuados, porém, o risco de burnout aumenta não só devido ao contacto repetido com a vulnerabilidade humana, o sofrimento, a morte, mas também por causa do impacto das experiências de trabalho (turnos, conflitos, decisões de fim de vida). Resultado? Muitos profissionais ficam “completamente esgotados”, sintetiza a investigadora.
“Os profissionais em burnout ficam mais cínicos, mais frios, distantes, já não são capazes de estabelecer uma relação tão humana”, descreve, notando que aos altos níveis de exaustão emocional e de despersonalização somam-se os baixos níveis de realização pessoal e profissional.O problema é que, além de ter um grande impacto na saúde dos profissionais, a síndrome de burnout acaba por afectar a qualidade do serviço prestado, uma vez que potencia o risco de erros e os níveis de absentismo.
Este estudo, que vai ser apresentado sexta-feira nas Jornadas de Investigação em Cuidados Paliativos, em Castelo Branco, partiu de dois trabalhos académicos, duas teses de doutoramento em bioética.